Vida e Morte das Rodovias Urbanas

Acompanhando a tendência mundial, o Brasil chegou ao início do século XXI como um país urbano, com cerca de 82% da sua população vivendo em cidades. Tornar as cidades mais humanas e equitativas através de intervenções nos sistemas de transporte e melhorias na mobilidade, acessibilidade e ocupação urbana é uma das grandes prioridades das políticas públicas do pais. 

Nos anos 60 e 70 várias cidades brasileiras importaram o exemplo norte americano de construir viadutos e vias expressas, verdadeiras “rodovias” dentro dos centros urbanos, acreditando assim resolver o problema de congestionamento do trânsito. Hoje se sabe que tais inciativas, não só não resolvem, mas agravam a situação à medida que atraem mais carros para ocuparem o espaço adicional. São notórios os efeitos perversos causados pelas “rodovias urbanas”, que se constituem em verdadeiros enclaves no tecido urbano: degradação de áreas centrais e bairros, ameaça a locais de valor histórico, concentração da poluição atmosférica nas áreas mais densamente ocupadas e ameaças à saúde das pessoas.

Este relatório apresenta estudos de caso de cinco cidades que se propuseram a reverter esta condição, demolindo viadutos e desativando as “rodovias urbanas”. Portland, São Francisco, e Milwaukee nos Estados Unidos, Seul, na Coreia do Sul e Bogotá, na Colômbia, apresentam soluções inspiradoras de transformação urbana e melhoria da qualidade de vida. As soluções adotadas são diferentes em função das especificidades locais, mas o resultado final é a requalificação e a revitalização sócio econômica e ambiental das áreas ao redor.

 

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Prefácio

As cidades são para os seres humanos, enquanto as vias expressas servem para movimentar os veículos. As cidades são centros de cultura e comércio que dependem do investimento privado. O enorme investimento público em vias expressas, feito no último século, reduziu a capacidade das cidades para conectar as pessoas entre si e estimular a cultura e o comércio. Apesar deste estudo ser sobre as chamadas estradas ou rodovias urbanas, ele trata sobretudo das cidades e das pessoas que ali vivem. Ele aborda também a visão comunitária e a liderança que se fazem necessárias no século XXI para evitar as demolições, a perturbação social e a separação das comunidades que são geralmente provocadas pela construção de rodovias urbanas.

Este estudo relata as histórias de cinco cidades diferentes que, na verdade, conseguiram se renovar quando decidiram remover essas vias expressas ou reconsiderar a sua construção. Essas histórias mostram que para tratar as cidades danificadas pelas vias expressas para
veículos privados e melhorar o transporte público, existe toda uma gama de soluções específicas e adaptáveis ao contexto. Esta perspectiva contrasta com a abordagem típica de “tamanho único” que foi adotada nos anos 50 e 60 para dividir bairros inteiros com a construção dessas vias expressas. Nessa época, acreditava-se que essas vias reduziriam o congestionamento e aumentariam a segurança nas cidades. Surpreendentemente, essas duas razões ainda são mencionadas com muita frequência para justificar os enormes gastos feitos com o dinheiro público para expandir vias expressas existentes ou construir novas.

Simplesmente, as vias expressas são soluções viárias inadequadas para as cidades. Por definição, elas dependem da limitação do acesso às mesmas para poderem minimizar as interrupções e maximizar o fluxo. Mas as cidades são caracterizadas por redes viárias robustas e interconectadas. Quando as vias expressas de acesso limitado são forçadas sobre o traçado urbano, elas criam barreiras que acabam reduzindo uma característica essencial das cidades, a sua vitalidade. Quem sofre são os residentes, o comércio, os proprietários e os bairros adjacentes à rodovia urbana, como também sofre muito a operação da malha urbana como um todo. Durante os picos de tráfego, as vias expressas acabam piorando os congestionamentos, pois os motoristas se apressam para entrar nas filas que se formam nos pontos limitados de acesso às mesmas.

O propósito fundamental de um sistema de transporte urbano é conectar pessoas e lugares. Porém, as rodovias que atravessam os bairros de uma cidade têm como prioridade movimentar rapidamente os veículos através desses bairros e afastá-los dos centros urbanos. Em 1922, Henry Ford disse: “resolveremos os problemas das cidades quando abandonarmos as cidades.” Certamente a construção de vias expressas facilitou esse objetivo, mas de jeito nenhum o abandono das cidades resolveu os seus problemas. Na verdade, a forma e as prioridades funcionais das rodovias urbanas introduziram ainda mais problemas, que continuam a existir até hoje.

A rodovia urbana ainda era uma ideia pouco testada quando começou a ser implantada no mundo inteiro. Décadas depois, incapazes de aliviar o congestionamento e melhorar a segurança, e tendo em vista a evidência incontestável de bairros seriamente danificados, as rodovias urbanas não passam de um experimento fracassado. Resta-nos agora aprender com esses fracassos, sobretudo os mais importantes.

Os estudos de caso aqui apresentados mostram várias maneiras em que as cidades melhoram depois de remover rodovias urbanas ou simplesmente decidir contra a sua construção. Eles apontam para estratégias eficazes de projetos e de investimentos para lidar com os desafios atuais do envelhecimento da infraestrutura pública e das restrições nas fontes de recursos públicos. Também provam que sacrificar os bairros de uma cidade para acomodar uma suposta “demanda” de tráfego é não só altamente oneroso mas, muitas vezes, desnecessário. Por exemplo, apesar da remoção dos trechos não acabados de vias expressas (cuja construção tenha sido interrompida) ser muitas vezes mais aceitável do que a remoção de outros trechos que permitem o suposto “tráfego direto necessário”, o sucesso das remoções desses trechos não acabados de vias expressas constituem mais uma prova de que essas vias planejadas (cuja construção foi interrompida) não eram, desde o início, necessárias. Jane Jacobs tinha razão, e ainda mais razão tinham as pessoas que lutaram contra a construção de rodovias urbanas como forma de proteger suas comunidades e suas cidades.

Hoje, a remoção das rodovias urbanas é menos uma questão de limitação técnica e mais uma questão de resposta pragmática, aspiração comunitária e vontade política. O presente estudo tem muito a oferecer àqueles cuja aspiração é fortalecer as cidades, as regiões e
as nações.


- Peter J. Park

Peter J. Park foi diretor de Planejamento Urbano de Milwaukee durante o mandato do prefeito John Norquist e esteve à frente do esforço de substituição da via expressa elevada Park East por um grande boulevard com cruzamentos em nível, atuando desde a fase conceitual do projeto, com alunos de desenho urbano da Universidade de Wisconsin-Milwaukee, até a sua realização final. Como a remoção da via expressa constava como prioridade no Plano Diretor da Área Central, de 1999, a cidade de Milwaukee foi capaz de atuar com presteza quando surgiu a oportunidade de remoção do elevado Park East. 

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