WRR: foco em habitação, energia e transporte para cidades mais equitativas
Este post foi escrito por Alex Rogala e publicado originalmente no TheCityFix.
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“A Nova Agenda Urbana endereça o desafio de tornar as cidades funcionais – para a economia, para o meio ambiente, para as pessoas. É um documento sobre como fazemos cidades melhores para todos.”
Com essas palavras, Ani Dasgupta, Diretor Global do WRI Ross Center for Sustainable Cities, abriu a conferência do WRI dedicada a abordar a questão central do World Resources Report (WRR), publicado na última sexta-feira (14): priorizar o acesso a serviços urbanos básicos criará cidades prósperas e sustentáveis para todas as pessoas? Reunindo especialistas do WRI e outros painelistas de diferentes partes do mundo, o evento teve como foco três setores-chave no que diz respeito a criar uma mudança urbana transformadora nas cidades: habitação, energia e transporte.
Reduzir o déficit habitacional global
A falta de moradias acessíveis, adequadas e seguras em áreas urbanas bem localizadas é um problema conhecido para muitas cidades. Como se não bastasse, ao longo dos próximos dez anos, estima-se que esse déficit aumente em torno de 33%, afetando mulheres, crianças e minorias étnicas. Dada a escala do desafio e suas diferentes circunstâncias conforme a cidade e o país, é imperativo que superemos dicotomias tradicionais – público/privado, permanente/temporário, formar/informal. Robin King, Diretora de Desenvolvimento Urbano do WRI Ross Center for Sustainable Cities, apontou três possíveis caminhos para reduzir o déficit habitacional:
- Para lidar com o crescimento no número de habitações informais, subabastecidas pelos serviços urbanos e desconectadas de bens e oportunidades, tomadores de decisão devem recorrer a mecanismos de participação in-situ (no local) – como mostra o caso do programa Baan Mankong, da Tailândia –, a não ser quando o local oferecer riscos para esse tipo de abordagem.
- Políticas em todos os níveis costumam valorizar a “casa própria” – a posse de um imóvel – em detrimento de moradias informais. As cidades devem considerar também políticas que viabilizem a locação de imóveis para diferentes faixas de renda.
- Há muitas instâncias de políticas e normas inapropriadas de uso do solo que acabam empurrando os mais pobres para longe das áreas urbanas centrais. Fomentar o diálogo a respeito de terrenos em desuso e permitir uma abordagem “incremental” – em que os moradores dos programas habitacionais participam ativamente do desenvolvimento do projeto – pode ajudar na melhor utilização dessas áreas e, assim, oferecer a grupos marginalizados um bom lugar para viver.
Ainda se destacaram ao longo da discussão a necessidade de avançar essas propostas a fim de que sejam colocadas em prática soluções robustas, a importância de assegurar que as mulheres tenham voz e participação no processo e de encontrar oportunidades de diálogo sobre a questão com políticos, sociedade civil e setor privado.
O desafio de prover acesso a energia limpa e sustentável para todos
O acesso à energia é comumente visto como uma dificuldade das zonas rurais. Não é bem assim: a energia é o que sustenta nossas cidades – é um pré-requisito para a produtividade econômica e para a subsistência pessoal de cada um de nós. Em 2012, em áreas urbanas de diversas partes do mundo, 132 milhões de pessoas não tinham acesso à eletricidade e 482 milhões utilizavam combustíveis “sujos” para cozinhar, provenientes de madeira e carvão vegetal. Michael Westphal, do programa de Sustentabilidade Financeira do WRI, falou sobre questão central do WRR no que tange à energia: como cidades de países em desenvolvimento podem oferecer mais qualidade nos serviços de energia e, ao mesmo tempo, garantir a melhora do meio ambiente e da economia urbana? Uma boa solução, conforme avaliou o especialista, precisa atender às necessidades urgentes de uma população carente desse serviço e evitar um longo período de consumo energético e emissões. Duas possíveis maneiras de endereçar esse desafio são:
- Cozinhar de forma sustentável. A poluição atmosférica proveniente do uso doméstico de combustíveis sólidos foi responsável por 3,5 milhões de mortes em todo o mundo em 2010. Modernizar as tecnologias disponíveis pra cozinhar – como mudar o combustível utilizado para etanol, biogás ou eletricidade – e utilizar fornos e fogões de baixa emissão podem ajudar a prevenir mais mortes.
- Ampliar a distribuição de energia renovável nas cidades. Telhados fotovoltaicos, por exemplo, podem atender entre 7% e 30% do consumo energético em algumas cidades. Além disso, a distribuição de energia renovável pode ajudar as populações mais carentes na medida em que os preços da energia solar continuarem caindo. Para a cidade, isso significa menor demanda, menos custos com novas infraestrutura, mais oportunidades de trabalho e redução de emissões.
Nesse tópico, a conversa entre os painelistas girou em torno do papel desempenhado pela energia tanto em habitações formais quanto informais e o impacto na vida das pessoas. Outro ponto analisado diz respeito a cozinhar de forma sustentável: é menos uma questão tecnológica do que financeira e cultural. Para melhorar o acesso à eletricidade, deve haver uma aliança entre prefeitos e empresas de geração e distribuição com base em mecanismos de financiamento inovadores.
Mobilidade sustentável: oportunidades para cidades mais acessíveis
As taxas de motorização estão subindo em todo o mundo: em 2000, a população mundial dirigiu 14 trilhões de quilômetros; até 2050, devemos chegar a 48 trilhões. Diante disso, a mudança para modos mais sustentáveis de transporte é o coração da sustentabilidade como um todo. As cidades mais sustentáveis do mundo, afinal – de Hong Kong a Santiago e Londres –, apresentam parcelas significativas de deslocamentos feitos a pé, de bicicleta e de ônibus em suas divisões modais. No entanto, criar um impacto significativo e de longo prazo em termos de mobilidade requer o suporte de políticas complementares de segurança viária, acessibilidade e custos, entre outras. Dario Hidalgo, Diretor de Transporte Integrado do WRI Ross Center for Sustainable Cities, argumentou que uma divisão modal equilibrada e a implementação de medidas complementares podem ser alcançadas seguindo uma abordagem de três frentes:
- Financiamento. O senso comum prega que a mudança para o transporte sustentável exige muitos novos mecanismos de financiamento. Contudo, uma pesquisa do WRI mostra que, na verdade, investir na mobilidade sustentável pode gerar uma economia de 300 bilhões de dólares por ano e que essa conta é possível dentro dos fluxos financeiros atuais. Programas nacionais que apoiam as cidades com fundos e capacitação também podem ajudar a direcionar os recursos à ampliação das opções sustentáveis de transporte.
- Modernizar instituições. As decisões não podem mais ser tomadas isoladamente. O planejamento de transportes e do uso do solo precisam ser integrados – e isso pede medidas de modernização das instituições, como a criação de agências metropolitanas de transporte.
- Dominar a tecnologia. A tecnologia está transformando a mobilidade, mas qual o impacto dessa mudança? Muitas vezes, gestores e tomadores de decisão simplesmente não sabem. Ou, quando sabem, não têm certeza sobre como utilizar a tecnologia para implementar soluções inteligentes. Vencer o desafio das taxas de motorização exige que os setores público e privado e a sociedade trabalhem juntos para aproveitar oportunidades.
Durante o painel, Marcio Lacerda, Prefeito de Belo Horizonte e Presidente da Frente Nacional de Prefeitos, ressaltou a importância de parcerias estratégicas para as cidades alcançarem as transformações necessárias e que as pessoas esperam dos políticos que elegem. Como exemplo, citou o trabalho realizado em Belo Horizonte com apoio técnico do WRI Brasil Cidades Sustentáveis.
Em seu discurso, Lacerda destacou a abordagem multissetorial trazida no World Resources Report, reforçada por um amplo pacto político entre cidades, administrações metropolitanas, líderes políticos, setor privado e sociedade civil:
"Acredito que também é necessário termos políticas nacionais que favoreçam essa abordagem nas cidades. No exemplo do Brasil, existem políticas para cada uma das áreas, como energia, habitação, educação, saneamento e saúde, e cada cidade usa, com mais ou menos talento, as orientações e os recursos ligados a essas políticas. Recentemente, o instituto Datafolha divulgou uma pesquisa feita por 18 meses em mais de 5 mil cidades brasileiras. De acordo com os resultados, apenas 24% dessas cidades são consideradas eficientes em termos de gestão. Isso mostra que ter recursos para executar as políticas públicas não é o suficiente. Precisamos ter continuidade no planejamento, uma consciência cívica sobre a necessidade e a possibilidade de termos ações coordenadas para que os objetivos sejam alcançados."
Marcio Lacerda no lançamento do WRR (Foto: Milton Bustamante/WRI)