Uma cidade acessível é uma cidade para todos
Quando uma cidade é acessível para pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, é acessível para todos. Essa é a visão comum de gestores públicos, organizações da sociedade civil e cidadãos que lotaram, nesta sexta-feira (14/8), o auditório do Ibmec durante o Seminário Internacional de Acessibilidade na Mobilidade Urbana de Belo Horizonte. O evento, realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte, BHTrans (Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte) e WRI Brasil |EMBARQ Brasil, com apoio da Embaixada Britânica, marcou o início das discussões para elaboração do plano Acessibilidade Para Todos.
Naturalmente montanhosa, Belo Horizonte é desafiadora a pessoas de todas as idades e condições físicas. Aos desafios à locomoção segura e autônoma, somam-se calçadas em desnível, obstáculos no caminho e motoristas apressados. A garantia da mobilidade e acessibilidade no ambiente urbano é uma das metas globais do Plano Diretor de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte, o PlanMob BH; assim, a elaboração do Plano de Acessibilidade fará parte de sua revisão. O trabalho conta com apoio do WRI Brasil | EMBARQ Brasil.
Para ler a cobertura das atividades da tarde, com os casos de Belo Horizonte e de Belfast, Irlanda, clique aqui. Veja a galeria de fotos.
Durante o dia todo, foram apresentadas e debatidas experiências de Portugal, Reino Unido, São Paulo e Belo Horizonte a fim explorar boas práticas e buscar soluções conjuntas ao plano da capital mineira. Abaixo, confira um resumo das apresentações da parte da manhã.
Saudações iniciais
Paula, do WRI Brasil | EMBARQ Brasil, e Célio, da BHTrans. (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil | EMBARQ Brasil)
“Construir uma cidade para todos, com acessibilidade, é de extrema importância para nossa comunidade”, avaliou Célio Freitas, diretor de planejamento da BHTrans, na abertura do evento. “A história de Belo Horizonte vem sendo construída por 100 anos, e hoje estamos iniciando um processo para diagnosticar e resgatar tudo que há de inadequado no espaço urbano, para elaborar um plano para todos. Não é fácil, mas precisamos começar”.
Paula Santos Rocha, coordenadora de Projetos de Transporte e Acessibilidade da EMBARQ Brasil, saudou os presentes e lembrou que o assunto terá espaço especial no Congresso Internacional Cidades & Transportes, realizado em setembro deste ano no Rio de Janeiro, e convidou todos os presentes a participar. “Nossa parceria com Belo Horizonte vem de muitos anos, e essa é uma grande oportunidade de assessorá-los nessa área. Agradeço à BHTrans por mais essa importante cooperação”, finalizou.
Belo Horizonte quer se tornar uma cidade inclusiva, de oportunidades, pontuou a Secretária Municipal Adjunta de Direitos de Cidadania, Maria Gláucia Costa Brandão, também na abertura no evento. “Há que compreender a acessibilidade como direito constitucional, democrático, aos espaços urbanos. Nós estamos no momento da construção dessa política. É o momento de integrar essa política no plano diretor de mobilidade a ser revisado”.
Para o Cônsul do Reino Unido em Belo Horizonte, Thomas Nemes, uma cidade justa e resiliente deve respeitar a acessibilidade de todos. “A expertise britânica nessa área é conhecida pelo mundo todo e queremos fortalecer a parceria com BH e outras cidades mineiras. A Future Cities Catapult, inclusive, esteve aqui na semana passada”, disse, ressaltando que iniciativas como essa podem deixar um legado positivo para a cidade. “Somos parceiros para levar isso adiante”, concluiu.
Thomas Nemes (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil | EMBARQ Brasil)
O plano de acessibilidade pedonal de Lisboa
Pedro Homem de Gouveia, coordenador do Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa, apresentou o trabalho realizado na capital portuguesa. Segundo ele, inicialmente houve resistência por parte da gestão pública em resolver os problemas, assim como muitas cidades enfrentam. No início do processo, em 2009, o ponto de partida foi um mapeamento das quatro grandes dificuldades em tornar Lisboa acessível a fim de priorizar ações sobre elas. Foram elas: pedestre colocado de forma secundária no ambiente urbano; falta de compromisso político; falta de exemplo da câmara municipal; gestão e fiscalização ineficientes.
Sobre cada uma destas áreas, foram realizados diagnóstico, diretrizes e ações. Ao todo, 100 ações foram estabelecidas, bem como equipes, prazos e recursos para sua execução até 2017. O plano é organizado em cinco etapas, chamadas de “horas operacionais”:
1. Via pública
2. Equipamentos municipais
3. Transporte
4. Fiscalização
5. Desafios transversais
“Um fator importante para o êxito do nosso plano é a participação pública; pois, para cada problema, há uma diferente solução. É um bem para tornar o processo melhor, mais eficaz e atraente. Se as pessoas não entenderem que é possível construir uma cidade acessível, não vamos conseguir”, explicou Gouveia.
Um dos pontos de partida da iniciativa foi uma análise topográfica da cidade. Assim como Belo Horizonte, Lisboa tem áreas íngremes, mas ainda não haviam sido mensuradas. “Descobrimos que apenas um quarto das nossas ruas têm inclinação superior a 8%; logo, constatamos que o problema de acessibilidade não era a inclinação. Na verdade, um obstáculo das ruas era o carro”. Foram décadas de políticas a favor do transporte individual motorizado, segundo o especialista, que levaram o carro a ocupar muito do espaço viário, inclusive o passeio público em certas situações. “Quando começamos a falar em mudança nas calçadas, nessa reconquista do espaço em Lisboa, quase fomos enforcados na página do Facebook”, relembrou, divertindo-se.
Pedro e a intérprete LIBRAS, que traduziu todo o evento. (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil | EMBARQ Brasil)
O plano de acessibilidade pedonal foi chamado assim porque o foco era integrar políticas para todas as pessoas, cadeirantes ou não. “Zonas inseguras para pedestres são mais inseguras ainda para pedestres com alguma deficiência. Faz sentido trabalhar para todos, sem esquecer as necessidades específicas”.
Engana-se quem pensa que deficiência física é anormalidade. Na verdade, faz parte da vida, e os números provam isso. De acordo com o senso feito em Lisboa, atualmente, cerca de 20% da população tem algum tipo de deficiência. “O índice vai aumentar, e é preciso que nossos políticos percebam a necessidade em trabalhar para todos”, frisou o especialista português, sublinhando também a questão econômica, fundamental numa cidade de forte turismo. “Se quisermos continuar competitivos, devemos promover acessibilidade”.
A integração de equipes na prefeitura foi fundamental para o êxito do plano. No início, o trabalho em acessibilidade concentrava-se num só departamento. “Viramos o jogo e delegamos a responsabilidade para todos os departamentos municipais. Foi uma transformação simples e das melhores coisas que nós já fizemos – e não custa dinheiro”.
Para finalizar, o especialista afirmou que o processo de inclusão e acessibilidade é uma longa jornada. “Há tantas histórias de lutas por direitos que viraram leis. Agora, com a lei, o trabalho se encaminhará para a prática. Quando nós chegarmos ao fim da vida, veremos que ainda não está perfeito, mas há um caminho a olhar pra trás, e é o caminho a continuar trilhando. A acessibilidade é uma questão de progresso da civilização, com a questão da solidariedade, mas sobretudo do progresso”.
Saiba mais sobre o Plano de Acessibilidade Pedonal de Lisboa.
Dá pra fazer, sim
Laura Martins. (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil | EMBARQ Brasil)
“A cadeira vai voar”, brincou Laura Martins ao subir a rampa do auditório do Ibmec nessa manhã. Ela foi convidada para comentar sua visão de acessibilidade. Autora do blog Cadeira Voadora, Laura é cidadã belo-horizontina, cadeirante e entusiasta do futuro da acessibilidade na capital mineira. “Pensar ‘não dá pra fazer’ não é só comum em terras lusitanas, mas brasileiras e em qualquer lugar. Dá pra fazer. Não sabemos quanto tempo vai levar, mas precisamos estipular prazos”, disse, alegando ter consciência de que muitos avanços ficarão para as próximas gerações. Para ela, a participação das pessoas com deficiência e mobilidade reduzida no processo de mudança é de extrema importância, pois, se não houver cooperação, os projetos dificilmente sairão do papel.
São Paulo: centro aberto, espaço acessível
O novo plano diretor de São Paulo, aprovado há um ano, trouxe uma série de premissas para o desenvolvimento sustentável, como o fim da exigência mínima de vagas de estacionamento e o estímulo à construção de corredores de transporte. E as recentes transformações no desenho urbano da maior cidade brasileira são nítidas. O que muitos não percebem são as sutilezas no projeto quando o assunto é acesso. Exemplo é o centro aberto, o qual prevê novos usos e roupagem à região histórica. Quem compartilhou essa experiência foi Cristiana Rodrigues, da São Paulo Urbanismo. “São Paulo tem a meta de tornar 1 milhão de metros quadrados de calçadas mais acessíveis, da qual 30% já foi atingida”, explicou a urbanista.
Dentro da meta, a SP Urbanismo está desenvolvendo um plano de requalificação de calçadões da área central. Na imagem abaixo, as áreas demarcadas em azul são pedestrianizadas. À direita, o centro velho, à esquerda, o novo. “Na década de 70, ambas as áreas foram transformadas em calçadão, pois já tinham intenso fluxo de pedestres e muito conflito com o carro. A infraestrutura existe desde a década de 70”, explicou.
Mais de 30 anos se passaram, e a situação se viu diante de excesso de tampas, quebras, pisos originalmente executados em mosaico, e um piso deteriorado, com reparos em descontinuidade; excesso de automóveis, lixo, manchas e mau cheiro.
Os problemas demandavam solução. Um dos projetos desenvolvidos foi o Centro Aberto. “Pensamos em soluções para o uso da área histórica, com acessibilidade universal, valorização do patrimônio, qualificação da manutenção de redes de infraestrutura e facilitação da rede logística”, explicou Cristiana. Nas áreas piloto, Largo Paissandu e Avenida São João, foram criadas áreas prioritárias para pedestres e acessíveis, num trabalho semelhante ao realizado em Nova York.
Veja o antes e depois:
“Para o centro aberto, temos propostas de intervenção de curto prazo, já em teste. São intervenções por acessibilidade e novos usos ao espaço, que fizeram toda a diferença por um melhor proveito da nossa cidade. Temos programação diversificada, cultural, e acessos facilitados ao local”, finalizou.
Saiba mais sobre o trabalho em gestão urbana da Prefeitura de São Paulo no site oficial e na página do Facebook.
“Quando o deficiente participa da discussão sobre acessibilidade, não aponta só erros; aponta a solução”
Fernanda Moreira, da Comissão de Acessibilidade em Passeios do Movimento Unificado de Deficientes Visuais – Mudevi, deu um depoimento inspirador sobre a visão urbana do deficiente visual e mostrou que, como todo cidadão, o deficiente precisa ser independente para tocar sua vida. “Quando o piso é bom para o cadeirante e o deficiente visual, é bom para todos – a gestante, o idoso, a criança. É preciso pensar num desenho universal onde andemos sem medo de cair e nos machucar”, disse, mencionando uma visita a Nova York onde percebeu uma cidade acessível, onde podia ser independente. “Esse é o lugar”, pensou. Nada de escadas ou degraus e desníveis, mas rampas e ruas caminháveis. “Isso traz liberdade, uma sensação muito importante de autoestima, de ser livre para cuidar da minha vida, trabalhar e estudar, porque eu tenho acesso aos locais aonde pretendo ir. Com independência, é possível fazer coisas melhores para a sociedade. Nós estamos aqui construindo com todos vocês essa sociedade que temos. Quando o deficiente está junto ao poder público, a possibilidade de errar é muito menor, pois ele participa da discussão sobre acessibilidade e não aponta só erros; aponta também a solução”, concluiu.
Fernanda, do Mudevi. (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil | EMBARQ Brasil)
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