Troca de experiências na Habitat III orienta cidades brasileiras no trabalho pela sustentabilidade
Mais do que apenas decidir uma visão para as cidades nos próximos 20 anos, a Habitat III, em Quito, foi uma oportunidade de encontro para todos que irão trabalhar nesse objetivo. Centenas de eventos paralelos, discussões, debates e palestras fizeram da capital equatoriana uma arena de troca de experiências na última semana. A convite do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, representantes das prefeituras de Belo Horizonte, Recife, Salvador e Curitiba, além do Governo do Estado de Santa Catarina, estiveram na Conferência das Nações Unidas e levam de volta para o Brasil o conhecimento compartilhado no Equador.
A mobilidade foi um dos grandes temas debatidos pela delegação, que em sua maioria trabalha no setor em suas respectivas cidades. Ramon Victor Cesar, Presidente da Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTRANS), participou do EcoMobility Days, evento promovido pelo ICLEI, associação mundial de governos locais dedicados ao desenvolvimento sustentável, com apoio do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, e falou sobre a experiência da capital mineira com o MOVE, sistema de Bus Rapid Transit (BRT) implantado pela cidade em 2014. Ramon explicou que o MOVE carrega hoje aproximadamente 500 mil passageiros por dia, o que representa um terço da demanda por ônibus em Belo Horizonte. “Essa demanda é quase 14% acima do que havíamos projetado no início do planejamento”, explicou. Em alguns pontos da cidade, o ganho de tempo dos usuários foi de 53%.
Ramon Victor Cesar, da BHTRANS, durante o EcoMobility Days, em Quito - Foto: Bruno Felin/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
“Foi uma experiência muito enriquecedora, o tema da mobilidade urbana esteve muito presente e teve relevância expressiva nas discussões, seminários e mesas redondas. O EcoMobiity foi muito interessante, assim como o evento Transport Day, que trouxe muitas contribuições para a relação entre transporte e a sustentabilidade. E, principalmente, a discussão do pós-Quito, da adoção da Nova Agenda Urbana e da relação do transporte urbano com as outras funções das cidades”, explicou Ramon.
Marcelo Cintra, Coordenador de Políticas de Sustentabilidade da BHTRANS, compartilhou um pouco da troca de experiências que a capital mineira realizou com Bremen, na Alemanha, através do projeto SOLUTIONS. Durante painel no estande de exposições da Alemanha na Habitat III, que teve a participação de membros do Wuppertal Institute, do ICLEI, da GIZ e do Instituto Polis, Cintra contou como o trabalho ajudou a perceber que, mesmo entre cidades tão diferentes, há problemas semelhantes. Para ele, uma das formas de Belo Horizonte contribuir com a Nova Agenda Urbana e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) é promover uma maior participação da sociedade, para que as soluções não fiquem apenas nas mãos dos técnicos.
Marcelo Cintra falou sobre a experiência compartilhada entre Belo Horizonte e Bremen durante painel promovido no estande da Alemanha na Habitat III (Foto: Bruno Felin/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Ele também citou a aproximação com a European Cyclists' Federation (ECF) para ampliar as soluções para os ciclistas na cidade. O grupo de ciclistas fez um trabalho mostrando como a bicicleta pode contribuir para os 17 ODS, algo que foi reproduzido pela União de Ciclistas do Brasil. "Agora, após a Habitat, o mais difícil é sair desse grande pacto global para chegar de fato à transformação das cidades que vivem hoje uma inércia contrária à sustentabilidade e à própria mobilidade ativa. Mesmo que tenhamos cidades como Belo Horizonte, São Paulo, Salvador, Rio de Janeiro, que têm boas políticas para a bicicleta, a gente não consegue ainda de fato que a realidade mude. Construímos cidades durante décadas com pouco espaço para andar a pé e nenhuma infraestrutura cicloviária. Temos o desafio de recuperar nas cidades essa escala humana que é a escala da mobilidade ativa", afirmou Cintra.
Outra experiência compartilhada em Quito foi a de Curitiba. Ismael Bagatin França, Coordenador de Programação do Transporte da Urbanização de Curitiba S/A (URBS), falou da longa relação da cidade com o transporte coletivo sustentável. Ele explicou como a capital paranaense, pioneira no mundo na implantação de um sistema BRT, tem buscado se tornar mais compacta, com prédios de maior densidade entre os corredores de ônibus e as vias expressas laterais para veículos. "Essa densidade está permitindo a Curitiba ter nos corredores um verdadeiro transporte de massa. Com isso, conseguimos reter o usuário. Quando iniciamos, em 1974, 92% dos deslocamentos registrados na cidade eram em direção ao centro da cidade. Hoje, esse índice é de 30%", explicou durante painel do EcoMobility Days sobre transporte sustentável nas cidades da América Latina, que contou com participantes das cidades de Medelín, na Colômbia, e Rosário, na Argentina.
Ismael França compartilhou a experiência de Curitiba com o transporte sustentável (Foto:Bruno Felin/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Um dos momentos destacados pela delegação foi a participação no painel promovido pela iniciativa Future Cities Catapult, que abordou formas de utilizar a tecnologia e os dados para ajudar as cidades a chegar aos objetivos da Nova Agenda Urbana recém aprovada. Soluções inovadoras foram apresentadas e, segundo os representantes das cidades brasileiras, essa é uma grande dificuldade das gestões: como utilizar de forma inteligente o volume enorme de informações que são geradas todos os dias pelos diversos departamentos municipais. Tirar o melhor dos dados ainda é um enorme desafio, em alguns casos, pela falta de comunicação entre os órgãos e pela falta de uma visão conjunta. "A Future Cities Catapult é uma experiência que a gente já conhecia e acredito que podemos aprender muito com eles na questão de estratégia. Eles podem agregar muito para a formação de uma visão longo prazo e de como as tecnologias estão influenciando no processo de transformação das cidades. As cidades precisam ter estruturas de dados, precisam saber para que usar esses dados, mas sempre pensando em uma perspectiva de dados abertos, para que se possa ter transparência do poder público perante a sociedade", comentou João Domingos Azevedo, Diretor Presidente do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICPS), de Recife, sobre a experiência.
Os representantes da delegação também tiveram a oportunidade de realizar uma rodada de discussões com membros da Future Cities Catapult, em que apresentaram os desafios das suas cidades. Os especialistas britânicos apresentaram possíveis soluções e caminhos para que o uso de dados contribua no desenvolvimento e no planejamento dos municípios. "Foi uma discussão direcionada para as nossas necessidades. Trocamos algumas experiências e eles nos passaram algumas orientações e ideias que a gente vai poder aplicar e inclusive ajustar em alguns projetos que estamos desenvolvendo, o que pode aumentar a viabilidade de alguns desses projetos", avaliou Guilherme Medeiros, coordenador do PLAMUS e engenheiro da Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Grande Florianópolis.
Para Eduardo Paranhos Leite, Diretor da Secretaria Municial de Mobilidade de Salvador (SEMOB), a experiência na Habitat III ajuda a pensar o futuro da cidade: "Foi uma excelente oportunidade para conhecer o que está sendo realizado em todo o mundo e avaliar as aspirações para o futuro com essa agenda para os próximos 20 anos. Além disso, tivemos a possibilidade de ver que, entre essas tendências, estão algumas questões que devem ser sempre prioridade, como a sustentabilidade, a preocupação climática, a redução das emissões de poluentes, o fortalecimento da rede integrada, a integração entre transporte e planejamento e o desenvolvimento urbano. Isso nos mostra que estamos no caminho certo e que há boas soluções que podemos replicar na nossa cidade".
A experiência em Quito teve o apoio da Embaixada Britânica e do Projeto SOLUTIONS. Daniely Votto, Gerente de Governança Urbana do WRI Brasil Cidades Sutentáveis, destacou a importância da participação das cidades brasileiras no debate da agenda global, tanto para o desenvolvimento de políticas em nível nacional quanto para a implementação de soluções em escala local. "Esperamos que as cidades brasileiras possam contribuir para que a Nova Agenda Urbana acordada em Quito se torne realidade para beneficiar milhões de brasileiros que ainda necessitam de acesso aos serviços mais básicos. Contar com a participação de líderes locais brasileiros e suas experiências contribuiu muito para o enriquecimento dos debates e para a construção de parcerias que facilitarão a implementação da visão de cidade estabelecida pela Habitat III", afirmou Daniely.