Três ideias para planejar a mobilidade e estimular a inovação nas cidades
Debate final reuniu Luis Antonio Lindau, diretor do programa de cidades do WRI Brasil, Luiz Carlos Pinto da Silva Filho, diretor da Faculdade de Engenharia da UFRGS, Sérgio Avelleda, chefe de gabinete do prefeito de São Paulo, Helena Cybis, professora de engenharia da UFRGS e Marcelo Soletti, diretor-presidente da EPTC (foto: Luciano Lanes/PMPA)
Como algo que afeta a todas as pessoas de uma cidade, sem exceção, a mobilidade urbana merece um planejamento de longo prazo que incorpore as demandas dos mais diferentes estratos da população. Mais do que uma exigência legal, os Planos de Mobilidade podem se tornar instrumentos de transformação no desenvolvimento dos meios urbanos. Para isso, é necessário estabelecer uma visão de futuro construída com base em sólida participação social.
Mas como aproveitar os debates oportunizados pela elaboração do plano para criar um ambiente que estimula a inovação? Quatro aspectos foram ressaltados durante seminário organizado pela prefeitura de Porto Alegre, com participação do WRI Brasil e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) nesta quinta-feira.
Visão holística da mobilidade
Para planejar hoje a mobilidade urbana do futuro, é preciso ir além de soluções voltadas apenas à infraestrutura ou sistemas de transporte. Diante dos desafios atuais, não basta solucionar de que forma as pessoas irão de um ponto a outro na cidade, mas se as escolhas contribuirão para reduzir a poluição do ar, os congestionamentos e melhorar a qualidade de vida da população, por exemplo.
Presidente da Associação Internacional de Parques Científicos e Tecnológicos e Áreas de Inovação (IASP), o espanhol Josep Piquè destacou que um bom planejamento deve estar atento ao seu tempo, alinhado aos desafios deste século. E todos os setores da administração municipal devem engajar-se no ambiente de inovação, para que as decisões sejam tomadas por um grupo com representantes de todas as áreas. Só assim é possível uma visão holística para as soluções. “Quando os setores tradicionais que geralmente não se comunicam como água, esgoto, energia, transporte, habitação, saúde e outros viram bits, eles passam a interagir”, destacou ao ressaltar a importância da coleta e compartilhamento de dados.
Ele usou o exemplo da iluminação pública. Aparentemente, trata-se de um assunto sem relação com a mobilidade, mas pode determinar a escolha de um cidadão pelo transporte público se ajudá-lo a se sentir seguro, contribuir para a guarda municipal monitorar o patrimônio, permitir que se instale uma câmera de monitoramento, capaz de contribuir com a mobilidade e a segurança, pode estimular o comércio e o uso do espaço público, entre tantos outros efeitos em cadeia.
Transparência e abertura de dados
No século da digitalização absoluta, em que tudo se transforma em informações, é preciso garantir que elas sejam utilizadas para o bem coletivo. Piquè chegou a arriscar uma previsão de que “não haverá mais átomos sem bits”. Houve um consenso entre os participantes de que uma boa mobilidade também é a não mobilidade, isto é, evitar viagens também é uma maneira de melhorar os deslocamentos de todos.
Para isso, é preciso aliar mecanismos de planejamento urbano para criar diferentes centralidades e evitar o paradigma atual que concentra empregos nos centros urbanos e obriga as pessoas com menor poder aquisitivo a morar cada vez mais longe do trabalho. Incentivar o teletrabalho, o compartilhamento de carros e a facilitação das caronas entre colegas de trabalho também surge como alternativa.
Marcelo Soletti, diretor-presidente da EPTC, citou a parceria que Porto Alegre fez com o aplicativo 99, que abrirá dados para contribuir com o planejamento da cidade. Outro exemplo veio de São Paulo, durante a palestra de Sérgio Avelleda, ex-secretário municipal de Mobilidade e Transportes de São Paulo e atualmente Chefe de Gabinete do prefeito Bruno Covas. Após os Jornadas de Junho de 2013, que iniciaram a partir de demanda por transparência no transporte coletivo, a prefeitura da capital paulista decidiu adotar uma abertura maior das informações do setor. E criou o Mobilab, um laboratório que nos conduz ao próximo ponto.
Ambientes inovadores e cooperação
Há uma característica comum às grandes inovações: a cooperação. Dificilmente uma solução consegue prosperar isoladamente, sem que haja uma sinergia entre poder público, sociedade civil, academia, empresas e demais atores. No melhor dos mundos, as cidades se tornam vetores da inovação, criando ambientes estimulantes impulsionados pela transparência e pelo estímulo aos negócios e ao desenvolvimento de produtos lucrativos, escaláveis, capazes de beneficiar toda a população.
Um bom exemplo brasileiro nesse sentido vem justamente de São Paulo, que em 2014 criou o Mobilab, um laboratório de inovação aberto a empreendedores que estimula a relação entre técnicos e especialistas da prefeitura com jovens criadores. Avelleda contou como a abertura dos dados de GPS dos ônibus e outras informações da cidade fez emergir novos recursos que hoje ajudam a administrar o transporte coletivo. Atualmente, há aplicativos que ajudam na fiscalização, na vistoria de ônibus, foi criado um portal integrado de serviços para as empresas operadoras, entre outras soluções.
Presidente da Associação Internacional de Parques Científicos e Tecnológicos e Áreas de Inovação (IASP), o espanhol Josep Piquè (foto: Luciano Lanes/PMPA)
Josep Piquè lembrou de como Barcelona agiu rápido para abrir seus dados e criar marcos regulatórios para desburocratizar o compartilhamento de informações e a implementação das criações dos empreendedores. Ele lembrou que também houve uma pactuação com a sociedade, em que mesmo a elite passou a engajar-se nos deslocamentos mais sustentáveis, por transporte coletivo, bicicleta e a pé. A escolha pelo modal mais sustentável e alinhado ao planejamento de futuro de Barcelona tornou-se também uma maneira de se posicionar.
Em Porto Alegre, floresce uma iniciativa chamada Aliança para Inovação, um convênio assinado pelos reitores de três universidades da cidade (UFRGS, PUCRS e Unisinos) com o objetivo de criar um ambiente favorável à geração de novos empreendimentos de base tecnológica e o surgimento de startups, contribuindo para atrair novos investimentos e reter talentos na cidade. As três tinham parques tecnológicos distintos e que não se coordenavam para um bem comum. A professora da UFRGS Helena Cybis, que também participou do debate, lembrou que há uma transição no meio acadêmico. “Algumas áreas talvez sejam mais avançadas do que outras, mas acho que a forma de ampliar isso é divulgar, mostrar exemplos e com isso as pessoas vão se sentir estimuladas a atuar de maneira mais criativa e empreendedora”, disse.
Abaixo, o vídeo da transmissão do evento:
Porto Alegre deu início à construção do Plano de Mobilidade
O seminário foi o primeiro evento público após o lançamento do processo de discussão e elaboração do Plano de Mobilidade da cidade, que contará com o apoio técnico do WRI Brasil. Na última quarta-feira (04), o prefeito Nelson Marchezan e secretários apresentaram o cronograma de seminários, oficinas e audiências públicas, além de lançar o site oficial, que será o canal oficial do trabalho.