Sete passos para a sustentabilidade: como o planejamento mudou a mobilidade em Joinville
Joinville escolheu há alguns anos projetar seu desenvolvimento urbano por meio da mobilidade sustentável ao redesenhar a sua estrutura viária de modo a priorizar o pedestre, o ciclista e o transporte coletivo. Desde que lançou seu Plano de Mobilidade – PlanMob, em 2015, o município virou referência no assunto e demonstra ter acertado o passo no processo de colocar em prática todos os objetivos que propõe no documento. Hoje, Joinville é uma cidade de muitos planos, com metas ambiciosas e coerentes, e que se prepara para oferecer mais qualidade de vida à população, que é estimada a crescer para mais de 1 milhão de habitantes até 2045.
A cidade catarinense foi uma das primeiras a concluir o Plano de Mobilidade, ferramenta que complementa o Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentável em cumprimento à Política Nacional de Mobilidade Urbana. Por essa razão, é citada pelo Ministério das Cidades no seu Caderno de Referência para Elaboração de Plano de Mobilidade Urbana. Desde a proposta inicial para a elaboração do plano, a Fundação Instituto de Pesquisa e Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável de Joinville (IPPUJ) descobriu na metodologia apresentada no Sete Passos - Como construir um plano de mobilidade, documento desenvolvido pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis, a fórmula para dar andamento ao planejamento.
“Entendemos que o modelo dos Sete Passos está totalmente referendado pelo Estatuto da Cidade, trazendo os momentos de participação da sociedade, com uma organização para assuntos técnicos e uma clareza para a população a respeito dos trabalhos que desenvolvemos”, afirma Vladimir Constante, atual presidente do IPPUJ. “Todos os passos, desde o alinhamento estratégico, as leituras comunitárias, os espaços de oficinas com a população, a parte de leitura técnica junto a entidades com conhecimentos específicos no tema da mobilidade e, no final, a validação com o conselho da cidade e as audiências públicas, deram uma estrutura que, com certeza, garantiu o sucesso do nosso plano de mobilidade”, conta.
A parceria com o WRI Brasil Cidades Sustentáveis é uma história que teve início em 2014, quando o município buscava apoio para o aperfeiçoamento dos projetos inseridos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Médias Cidades, conquistado com o evento do PAC ao Plano. Desde então, diversas parcerias com o WRI Brasil permitiram o sucesso que hoje se observa na prática pela cidade.
Novos corredores de ônibus
Na maioria das cidades brasileiras, o número de automóveis nas ruas segue crescendo, enquanto o transporte coletivo perde passageiros a cada ano. Para ir contra essa tendência, Joinville tem o objetivo de tornar o transporte coletivo o principal modo de deslocamento da população. Em 2014, para avaliar a satisfação dos usuários dos coletivos em relação a fatores de qualidade, de forma detalhada e quantitativa, a prefeitura, ainda em parceria com o WRI Brasil, aplicou a pesquisa de Satisfação QualiÔnibus. Hoje, os principais resultados desse estudo tornaram-se as primeiras medidas implementadas por Joinville.
Segundo Vladimir, os indicadores mais fortes do QualiÔnibus direcionaram os principais investimentos no sistema. Um dos quesitos com a pior avaliação foi a regularidade e a confiabilidade do transporte coletivo. Com os ônibus circulando nas vias junto aos carros, o tempo das viagens era afetado diretamente e os engarrafamentos impediam os ônibus de cumprirem as escalas de horários. Para solucionar o problema, a cidade antecipou algumas medidas previstas para serem implementadas com as obras do PAC e, com recursos próprios, instalou recentemente novos corredores de ônibus. Através de sinalizações e pinturas nas vias, Joinville conta atualmente com 21 quilômetros de faixas exclusivas de transporte coletivo.
A meta estabelecida pelo PlanMob é transformar o índice atual de 24% que o transporte coletivo representa na divisão modal do município para 40% até 2030. “Hoje, temos como nosso modal essencial o transporte coletivo. Nossos corredores de ônibus já estão sendo construídos. Apenas 24% da população usa o ônibus, mas pretendemos pelo menos dobrar esse número em dez anos. Dessa forma o preço da passagem cai, nós deixamos o automóvel em casa e andamos de ônibus, que é mais rápido e mais seguro”, exalta o prefeito de Joinville, Udo Döhler. A meta do plano é construir 80 quilômetros de faixas exclusivas até 2025, objetivo que, de acordo com Vladimir, é bastante conservador: "Entendemos que muito antes disso a gente consiga atingir esse número”.
Ao ouvir usuários de uma das linhas mais beneficiadas pelos corredores, a Iririú-Centro, fica evidente a satisfação dos usuários com a medida. O trajeto percorrido pela linha passa por três trechos de corredores. A auxiliar administrativa Talita Schultz afirma que economiza, hoje, 15 minutos no trecho. Já para a auxiliar de escritório, Isabella Oliveira, a economia é de até uma hora. “Como eu não tenho carro, pra mim foi um ponto positivo. Com certeza, hoje, eu economizo uma hora com os corredores de ônibus. Daqui até o bairro Guanabara eu levo 15 minutos, graças ao corredor”, destaca. Gustavo Marques, que atua como back office, lembra da necessidade da educação no trânsito: “Todo mundo quer completar 18 anos e comprar um carro no dia seguinte. Ninguém pensa que vai levar mais tempo de carro do que de ônibus nos trajetos”.
O carro representa 35% do total de deslocamentos no município catarinense, mas a meta do PlanMob é ter apenas 20% de transporte motorizado individual – incluindo carros e motocicletas – até 2025.
(Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Planejamento urbano integrado
A metodologia dos Sete Passos, conforme explica Vladimir, acabou servindo de base para a criação de diversos outros planos para a cidade. O Plano Diretor de Transportes Ativos (PDTA) é um deles, que surgiu como um complemento ao PlanMob. "O processo de criação do PDTA foi muito mais rápido e fácil de aplicar. Temos adotado os Sete Passos para esse e outros trabalhos", conta. Atualmente em elaboração, o Plano Diretor de Transporte Coletivo já realizou pesquisas qualitativas, leitura técnica e a apresentação do diagnótico para a formação de 13 grupos de discussão temáticos. Neste mês de novembro serão iniciadas as consultas públicas em que a população poderá opinar sobre as diretrizes do plano.
A Lei de Ordenamento Territorial (LOT) é uma ferramenta estabelecida pelo município para conter a expansão urbana da cidade. “Joinville é pouco adensada, temos vazios urbanos generosos, com toda a infraestrutura de pavimentação, água, luz, esgoto, fibra. Mas a cidade se espalha, vai para a periferia onde os terrenos são mais baratos, mas inversamente a isso a infraestrutura fica mais cara. Por isso precisamos inverter isso e ocupar melhor os espaços urbanos que temos na cidade”, destaca o prefeito.
"Estamos ainda trabalhando o nosso plano municipal de habitação e em um futuro Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) para atender ao Estatuto da Metrópole." O Estatuto determina que todas as regiões metropolitanas e aglomerados urbanos do país entreguem seus PNDI até 2018. “Pedimos que o estado nos delegasse ou nos permitisse que avançássemos com o primeiro esboço do PNDI para que, lá adiante, pudéssemos nos reunir com as cidades que fazem parte da nossa região metropolitana”, explica o prefeito.
A “cidade das bicicletas” quer voltar a ser dos ciclistas
A presença dos ciclistas em Joinville é historicamente muito forte. Até os anos 1980, 30% dos deslocamentos eram feitos de bicicleta. No começo dos anos 2000, esse número caiu para 4%. Hoje, a bicicleta representa 11% dos deslocamentos. Previsto no PlanMob, até 2025 a cidade quer ter 20% dos seus deslocamentos através das magrelas. A rede cicloviária dos joinvillenses já conta com 145 quilômetros de ciclofaixas e ciclovias. A meta para as bicicletas talvez seja a mais ambiciosa de todo o plano de mobilidade: 730 quilômetros de estruturas dedicadas até 2025. "Temos um prazo mais apertado e a implementação terá de ser acelerada. Porém, à medida em que instalamos essas novas ciclofaixas e corredores, a sociedade em geral começa a entender os benefícios e a nos cobrar cada vez mais faixas exclusivas”, conta o presidente do IPPUJ.
(Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Ainda inserido em um eixo de educação e comunicação do PlanMob, a cidade acaba de promulgar uma lei que institui o Selo Empresa Amiga da Bicicleta. A regulamentação também elaborada pelo IPPUJ busca incentivar as empresas a oferecer estrutura para os funcionários que optam pela bicicleta como principal meio de locomoção. Os locais de trabalho deverão possuir vestiários e estacionamento exclusivo para as bikes para receberem o selo.
O PDTA engloba o Plano Diretor Cicloviário e ainda o Plano Diretor Caminhabilidade, que prevê, nas palavras do prefeito, o uso “da sola do sapato”. Através, especialmente, da qualificação das calçadas, Joinville quer estabelecer as “Rotas Seguras”. São calçadas melhores e padronizadas nas quadras de unidades de ensino e de saúde no município até o acesso aos pontos de ônibus mais próximos. Ao usar referências do Manual de Desenvolvimento Urbano Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS), do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, o Plano mapeou as chamadas centralidades dos bairros, quadras dentro de um raio de 500 metros ou percursos dentro do limite de 675 metros que concentram a maior quantidade de oferta de serviços, comércios e equipamentos públicos da localidade.
O trabalho atualmente desenvolvido pelo IPPUJ em parceria com os técnicos do WRI Brasil faz com que a cidade de Joinville se prepare para os desafios da mobilidade urbana em todas as frentes. A certeza de desenhar uma cidade projetada para menos carros e mais sustentabilidade no transporte coloca Joinville à frente da maioria dos municípios brasileiros. “A cidade de Joinville já pode olhar com segurança para o futuro. Antes ela era planejada por períodos mais curtos, de quatro em quatro anos. Hoje, conseguimos enxergar um pouco mais adiante. A questão da mobilidade é essencial”, afirma o prefeito.