Salvador recebe seminário para debater a importância da mobilidade urbana na redução de emissões
Participaram do evento Eduardo Paranhos Sarmento Leite, diretor da Secretaria Municial de Mobilidade de Salvador (SEMOB); Diogo Pires Ferreira, Coordenador de Transportes do WRI Brasil Cidades Sustentáveis; Cíntia Freitas, Coordenadora de Relações Institucionais do WRI Brasil Cidades Sustentáveis; Laura Valente de Macedo, consultora do WRI Brasil; Fábio Mota, Secretário de Mobilidade de Salvador; e André Fraga, Secretário de Cidade Sustentável de Salvador. (Foto: Mariana Gil WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Salvador, capital da Bahia, recebe nesta terça (15) e quarta (16) o seminário “Mais Transportes, Menos Emissões”, organizado pelo WRI Brasil, com apoio da Embaixada Britânica e da Secretaria Municipal de Mobilidade (SEMOB) da capital baiana. No primeiro dia, as apresentações mostraram exemplos de ações de mobilidade urbana que contribuem para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) nas cidades, projetando o desenvolvimento sustentável.
O transporte coletivo da capital baiana é composto por ônibus urbanos e metropolitanos, táxis, mototáxis, vans, trem suburbano, ferry-boats e lanchas. Diariamente, são realizadas 4,6 milhões de viagens, sendo 44,2% em transporte coletivo, 32,8% em transporte não motorizado e 23% em transporte individual. Além disso, Salvador conta com ascensores, responsáveis por ligar a Cidade Alta à Cidade Baixa, que transportam 600 mil passageiros por mês. Já o metrô conta com oito estações ativas na linha 1 e tem 21 previstas para o sistema, que contará com duas linhas.
Eduardo Paranhos Sarmento Leite, diretor da SEMOB, apresentou as principais iniciativas da cidade. Um dos projetos ligados à sustentabilidade é o Bike Salvador, que integra o movimento Salvador Vai de Bike. São cerca de 600 mil viagens realizadas, o que representa uma economia de 215 toneladas de CO². Entre as conquistas na mobilidade de Salvador, estão a renovação da frota, a criação do Centro de Controle Operacional (CCO), o aplicativo Cittamobi, novos pontos de recarga para o Salvador Card e a instalação de módulos de conforto. “A frota de coletivos de salvador hoje é uma das mais novas do país, com idade média de 3,7 anos. Todos os novos ônibus possuem motor Euro V, acessibilidade para cadeirantes e monitoramento por GPS. Em teste, 30 coletivos foram equipados com wifi”, detalhou o diretor.
Com o CCO, que monitora o transporte coletivo por ônibus 24 horas por dia, em tempo real, foi possível identificar e emitir mais de duas mil autuações. Além disso, possibilita a interação direta da população a partir do aplicativo, que disponibiliza os pontos mais próximos, as linhas oferecidas em cada parada, a previsão de chegada dos ônibus e se o coletivo é adaptado para pessoa com deficiência. “Tira da prefeitura a exclusividade da informação e permite a participação ativa da população. Já foram registrados mais de 10 mil reports dos usuários”, completou. Para finalizar, Leite citou o projeto Corujão Salvador, que atende a demanda dos deslocamentos no período da madrugada. São 19 linhas que operam entre meia-noite e quatro horas da manhã.
Novas tecnologias
Para apresentar uma possibilidade para aprimorar o transporte coletivo, Jeferson Peres, Coordenador Institucional de Vendas de Ônibus no Brasil da Scania, falou sobre o consumo de combustível. “Em 2030, 60% da população viverá em grandes cidades. O futuro das cidades é a mobilidade urbana sustentável. É fundamental para evitar o caos. Cidades inteligentes, como é o caso de Salvador, já estão discutindo o tema para evitar os danos”, disse.
Na visão da Scania, são três os principais desafios urbanos: resíduos, transporte público e saúde pública. E a solução apontada pela empresa é o biometano, ou biogás, que é produzido a partir do lodo sanitário, resíduo orgânico residencial ou da indústria alimentícia. Com o uso do biogás, há uma redução de até 85% de emissões de CO² na comparação com o diesel e o custo do quilômetro rodado é 28% menor. Para fins de investimento na frota, o veículo custa 20% a mais. “As cidades brasileiras estão procurando alternativas para fazer com que a conta feche e estamos trazendo mais uma opção para o transporte sustentável”, concluiu Peres.
Mudanças necessárias
Falar sobre redução de emissões de gases de efeito estufa pode parecer um plano para o futuro, mas, na verdade, é bastante urgente. Defendendo essa tese, Laura Valente de Macedo, consultora sênior do WRI Brasil, falou sobre a relação entre mudanças climáticas, cidades e desenvolvimento de baixo carbono. A especialista enfatizou a importância da visão da gestão pública para esse processo: “Falar em Secretaria Municipal de Mobilidade em vez de Secretaria de Transportes já é um grande passo na direção da sustentabilidade da cidade”.
Estudo do BID diz que, para cada dólar investido em adaptação, evita-se gasto o de 10 dólares na remediação de danos causados pelas mudanças climáticas. “A partir do momento em que você melhora a gestão pública, consegue trabalhar melhor em função das mudanças climáticas e torna as cidades mais resilientes”, comentou a consultora. A preocupação, contudo, não deve ser apenas com as mudanças climáticas naturais, que fogem ao nosso controle, mas com aquelas causadas pela ação humana. Consumo e geração de energia de combustível fóssil, agricultura e desmatamento são algumas das principais causas para o aumento de emissão de gases de efeito estufa. Se nós não repensarmos nosso padrão de consumo, não vamos contribuir para mudar a realidade”, disse Laura. Até 2025, o Brasil tem a meta de reduzir suas emissões em 37% - todas as ações, de qualquer setor, que tenham esse enfoque estão contribuindo para o objetivo do país.
Cíntia Freitas, Coordenadora de Relações Institucionais do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, lembrou que 2015 foi o ano mais quente da história do planeta desde que começaram os registros. No entanto, a temperatura média de fevereiro de 2016 já foi a maior para o mês desde que se têm os dados. Ou seja, é possível que esse ano ultrapasse o anterior. “Setenta por cento das emissões de GEE acontecem nas cidades. Por isso, os centros urbanos estão procurando alternativas. Estamos correndo contra o tempo. Enquanto as cidades buscam soluções no nível local, também devem compartilhar ideias de sucesso com outros projetos”, disse.
Salvador é um desses exemplos. Membro do C40, grupo global de cidades que se reúnem para diminuir os efeitos da poluição no clima mundial, também já se comprometeu com o Compacto de Prefeitos. Tendo em vista que a maior parte das emissões vem dos transportes, a SEMOB tem um papel fundamental com as suas ações. “Gostaria de agradecer a Embaixada Britânica por nos permitir trazer líderes visionários para o Brasil. Recebemos Ken Livingstone, ex-repfeito de Londres, e especialistas da Transport for London, Future Cities Catapult, Transport Systems Catapult, entre outros. O projeto também proporcionou estudos, como o da Steer Davies Gleave. Esperamos que essas ideias possam inspirar Salvador a fazer ainda mais. A missão do WRI é mover a sociedade urbana para promover mudanças para as gerações futuras, e esperamos continuar apoiando a cidade nesse sentido”, concluiu Cíntia.
Exemplo positivo
A fim de inspirar as cidades brasileiras, Diogo Pires Ferreira, Coordenador de Mobilidade Urbana do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, comparou as possibilidades de Salvador a Londres, tomando como exemplo o projeto que estimula os caminhos a pé pela capital inglesa. Para o especialista, Salvador é uma cidade que dispõe de paisagens que favorecem uma iniciativa como essa. “Os desafios que enfrentamos na elaboração dos projetos, como o engajamento da população, são semelhantes em todas as cidades”, analisou.
Outros exemplos podem ser citados. Como é o caso de Joinville, uma das parceiras do WRI Brasil Cidades Sustentáveis. Amanda Máximo (abaixo), arquiteta na Fundação Instituto de Pesquisa e Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável de Joinville (IPPUJ), falou sobre como foi a experiência de construção do Plano de Mobilidade (PlanMOB) da cidade, que acabou sendo instituído por decreto. O desenvolvimento do projeto foi coordenado pela IPPUJ, com apoio técnico do WRI Brasil Cidades Sustentáveis e da Universidade Federal de Santa Catarina, e com participação da população.
A cidade, que tem 562 mil habitantes, tem o costume de deslocamento por bicicleta e a pé. Uma pesquisa de origem e destino foi realizada em 2010 e, de acordo com os resultados, 11% das viagens eram realizadas em bicicleta e 23% a pé. Enquanto isso, o uso do transporte coletivo era de 24% e de transporte motorizado individual era de 41%. As ações propostas no PlanMOB, entregue em março de 2015, têm prazo até 2030, mas devem ser revisadas em dez anos. As metas incluem dobrar o número no transporte coletivo, chegar a 20% em bicicletas e reduzir pela metade o uso de transporte motorizado individual. “Fazer o plano de mobilidade foi um exercício de pensar nas vocações de deslocamento da nossa cidade para buscar a equidade nos meios de transporte e melhorar os deslocamentos da população”, comentou Amanda.
Fruto do PlanMOB, Joinville ganhou, em 9 de março de 2016, o Plano Diretor de Transportes Ativos, que estabelece as diretrizes de infraestrutura urbana e segurança viária para qualificar o transporte a pé e aumentar o índice de deslocamentos de bicicleta. Para estabelecer a rede prioritária que atenderá as necessidades cicloviárias e de caminhabilidade do município, foi utilizado o manual de Desenvolvimento Orientado para o Transporte Sustentável (DOTS), desenvolvido pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis. “Acredito que devolver a cidade para as pessoas seja a grande finalidade de transpor os desafios da mobilidade urbana”, concluiu Amanda.
Inventário
Para planejar as ações, é preciso saber o quanto a cidade deve melhorar. Um dos parâmetros é o inventário dos gases de efeito estufa que, em Salvador, foi realizado dentro do projeto da Embaixada Britânica, com o apoio do WRI Brasil, da Pangea Capital e do ICLEI – Local Governments for Sustainability (Governos Locais para a Sustentabilidade).
Roberto Strumpf, consultor da Pangea Capital, apresentou alguns dos resultados do estudo. A metodologia utilizada foi a GPC, que tem, entre os objetivos, estabelecer a base para um plano de ação climático e demonstrar a importância do papel das cidades rumo à economia de baixo carbono. Os resultados mostram que 88% das emissões em Salvador são de responsabilidade direta do município. Dos 3,7 milhões de toneladas de CO² equivalente emitidas, 74% vieram do transporte. Desses, 74% do transporte terrestre. Por fim, 55% do total de emissões do município em 2013 vieram do transporte rodoviário. “Comparar números absolutos é um grande erro, pois cada cidade tem um tamanho e um perfil. É muito importante usar indicadores de emissão relativa para comparar duas cidades equivalentes”, explicou Strumpf. Sendo assim, utilizando dois indicadores, Salvador tem 1,27 de toneladas de CO² equivalente emitidos por habitante e 5,3 toneladas emitidas por km².
Com esse resultado nas emissões relativas, na comparação com outras cidades, a capital baiana aparece bem no ranking. Rajkot, na índia, um dos exemplos apresentados, tem 2,13 por habitante e 26 mil por km². Já o Rio de Janeiro tem 3,47 e 18.236, respectivamente. Strumpf apresentou ainda possibilidades de melhoria, que incluem dar escala ao processo de sensibilização e capacitação a respeito de riscos e oportunidades das mudanças climáticas, aprimorar o sistema de coleta de dados municipais e dar continuidade ao ciclo de gestão de emissões.
Informações em debate
Os participantes do seminário foram convidados a debater sobre as oportunidades de Salvador a caminho da redução das emissões de gases de efeito estufa a partir de melhorias na mobilidade urbana. Para embasar a dinâmica, Cláudia Ramirez (abaixo), consultora da Steer Davies Gleave, apresentou alguns exemplos levantados no estudo de intervenções de políticas inovadoras no Reino Unido voltadas à realidade brasileira, focado na mobilidade de Florianópolis e Salvador.
Estratégias para pedestres, bicicleta como modo de transporte, redução das viagens de veículo individual motorizado, qualidade e confiabilidade do transporte público e reconhecimento e melhoria no transporte de carga foram as necessidades brasileiras identificadas. "As ações são mais fáceis de serem aplicadas em Londres porque é uma cidade com objetivo claro, que facilita os programas de financiamento”, comentou Claudia ao apresentar o relatório.
(Fotos: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)