Ruas Completas: a importância de respeitar a vocação da rua
A Estação Berrini fica no encontro da Avenida Nações Unidas com a Rua Joel Carlos Borges: uma rua pequena, de apenas uma quadra, mas predominada pelo fluxo de pedestres. Essa foi a rua escolhida por São Paulo para receber um projeto de requalificação urbana que oferecerá melhores condições de segurança e acessibilidade para os milhares de pessoas que circulam por ali todos os dias. E não são poucas: no horário de pico da manhã, entre as sete e as oito horas, passam por ali 1.820 pessoas caminhando e apenas 67 veículos.
“Entre sete e meia e nove e meia da manhã, e depois à tarde, das quatro e meia até as seis, a rua parece mais um boulevard do que uma rua, tamanha a quantidade de pessoas caminhando”, relata Danilo Lion Estanqueiro Carvalho (foto abaixo), 32 anos, analista de marketing que trabalha na Joel Carlos há cerca de dois anos.
Danilo (direita), ao lado das colegas Mayara e Aline (Foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)
A intensa circulação de pessoas é uma percepção unânime entre os comerciantes que trabalham nos estabelecimentos distribuídos nos 150 metros da Rua Joel. Ane Gisele Ferreira Sousa, 31 anos, é técnica de seguros e também trabalha em um escritório situado na rua. Ela não apenas corrobora essa visão, como atenta para a divisão do espaço: “A Joel tem essa característica de ser uma rua de circulação de pessoas – e muito mais de pessoas do que de carros. Seria importante que os pedestres tivessem mais espaço para caminhar”.
O próprio perfil da Rua Joel Carlos contribui para esses relatos. As pequenas proporções tanto de largura quanto de extensão e as calçadas estreitas, insuficientes para acomodar todos que caminham pelo local, levam muitas pessoas a caminharem no meio da rua, já que o fluxo de veículos é consideravelmente menos intenso. Mesmo assim, os poucos carros que passam pela rua em algumas ocasiões geram conflitos com os pedestres, colocando em risco sua segurança. É o que conta Vitória Xavier de Oliveira, de 19 anos: “Comigo já aconteceu: estava caminhando e um carro passou por mim em alta velocidade, muito perto. A gente se assusta”. “É uma disputa pelo espaço constante entre os veículos e os pedestres nos horários de maior movimento, e isso torna o ambiente da rua perigoso em alguns casos”, reforça Aline Catalão de Carvalho Campozana (foto acima), publicitária de 24 anos que também trabalha na Rua Joel.
Aos 44 anos de idade, Elvonaldo Gouveia de Lima (foto à direita) trabalha há 16 na Rua Joel Carlos Borges e é morador do bairro há 25. O comerciante conhecido como “Naldo da Kombi” vende acessórios em uma van instalada na rua, no extremo oposto da Estação Berrini, e comenta sobre as condições que geram esses conflitos e como tentar amenizá-los: “A rua não é muito bem sinalizada, então muita gente vem de outras partes da cidade para acessar a marginal, sem saber que a circulação de pedestres é intensa aqui, e acaba entrando em alta velocidade. Como estou quase na esquina e vejo os carros que entram, sempre tento avisar o motorista: Olha! Tem muito pedestre aqui na rua! Cuidado!”.
Como financiar a mudança
Em 2014, o Concurso 3 Estações, organizado pelo WRI Brasil em parceria com o USP Cidades, convidou arquitetos e urbanistas a desenvolverem ideias para qualificar o entorno de três estações do metrô de São Paulo: Berrini, Vila Olímpia e Santo Amaro. Neste ano, a capital paulista passou a integrar a Rede Nacional para a Mobilidade de Baixo Carbono, composta por onze cidades brasileiras que, até o fim do ano, desenvolverão projetos de Ruas Completas. No caso de São Paulo, a prefeitura optou por aproveitar o projeto já existente, desenvolvido pela Urb-i, e que tem a proposta de qualificar o entorno da Estação Berrini.
Apesar de pequena, a Rua Joel tem as características necessárias para que o projeto se torne um marco na quebra de paradigma do planejamento viário em São Paulo: a mudança do foco na circulação de veículos para a priorização das pessoas. Soma-se à intensa movimentação de pedestres o fato de que a rua é a porta de entrada de uma estação de transporte de massa: a qualificação do entorno e dos acessos à estação tem um papel central para estimular o uso do transporte coletivo.
Paulo Carmagnani Franco, jornalista na Urb-i, apresentou a proposta no workshop realizado na última quinta-feira (31/08) pelo WRI Brasil em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos (FNP) e com apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS). “O diferencial desse projeto são as etapas de implementação: intervenção efêmera, intervenções temporárias e, por fim, a mudança permanente. Quando começamos a mudar o ambiente urbano, interferimos na zona de conforto das pessoas, por isso é importante que esse processo seja gradativo. E o que propomos são soluções rápidas, de baixo custo e alto impacto. O custo-benefício é muito positivo”, avaliou.
O encontro de São Paulo teve uma característica diferente dos workshops realizados até então nas demais cidades da rede. Uma vez que a cidade já tem seu projeto, a discussão foi centrada na viabilização financeira. Contando com a participação de representantes da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes e da CPTM, a equipe do WRI Brasil orientou os participantes na definição de fontes de recursos e estratégias de financiamento para o projeto da Berrini. “Nesse momento, as outras cidades estão na etapa do desenho do projeto. Esse é um aprendizado que São Paulo pode levar para as demais cidades da rede: já considerar alternativas de financiamento na concepção do projeto”, apontou Henrique Evers (foto à esquerda), coordenador de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil.
O especialista apresentou a ferramenta de modelos de negócios para soluções urbanas desenvolvida pelo WRI, que pode ser utilizada pelas cidades para mapear custos, identificar fontes de recursos e, assim, traçar um plano de financiamento para seus projetos urbanos. “É preciso ponderar quanto o desenho condiciona o orçamento ou quanto o orçamento disponível influencia o desenho. Nem sempre o valor mais caro é uma restrição de financiamento. Às vezes, projetos que exigem menos em termos de recursos não são tão bem-sucedidos em conseguir essa verba porque terão menos impacto”, considerou.
Em novembro deste ano, as cidades da Rede Nacional para a Mobilidade de Baixo Carbono participarão da 72ª Reunião Geral da FNP para apresentar os projetos que desenvolveram ao longo do ano. Nessa ocasião, a capital paulista mostrará sua estratégia de financiamento para o projeto de qualificação da Rua Joel Carlos Borges. “Nesse sentido, a contribuição de São Paulo é estratégica para compartilhar esse conhecimento e auxiliar as demais cidades da rede a pensarem no financiamento de seus projetos”, enfatizou Paulo Miotta, coordenador de Projetos e Articulação Institucional da FNP.
O futuro da Rua Joel
Ao dobrar uma esquina da Avenida das Nações Unidas ou da Rua Sansão Alves dos Santos, deparamos uma rua de calçadas amplas de ambos os lados, onde milhares de pessoas circulam em segurança todos os dias. Vemos o afunilamento da via próximo à faixa de pedestres, para garantir segurança na travessia. Há iluminação e sinalização na escala dos pedestres e mobiliário urbano que estimula a permanência, tornando o espaço convidativo e agradável. A prioridade não é dos carros, mas das pessoas.
Se implementado o projeto desenvolvido pela Urb-i, essa deve ser uma descrição próxima ao que será a Rua Joel Carlos Borges do futuro. “O conceito de Ruas Completas propõe uma distribuição democrática do espaço público, para atender às necessidades locais e transferir a prioridade dada aos carros para as pessoas. O projeto de São Paulo propõe um espaço desenhado de acordo com o seu uso, que respeite a vocação da rua”, destacou a coordenadora de Mobilidade Ativa do WRI Brasil, Paula Santos.
Intervenção temporária (Fonte: Urb-i)
Intervenção permanente (Fonte: Urb-i)
Intervenção permanente (Fonte: Urb-i)
Imagens do projeto para a Rua Joel Carlos Borges, em São Paulo, rua escolhida pela cidade para o projeto Ruas Completas, realizado pelo WRI Brasil, em parceria com a Frente Nacional de Prefeitos e o Instituto Clima e Sociedade (Imagens: Urb-i)
Para quem trabalha e circula pela Joel Carlos, a concretização do projeto representaria uma mudança decisiva na realidade:
Danilo Carvalho: "Olhando essa imagem, me parece muito mais agradável caminhar nessa rua do que na rua que eu enxergo hoje."
Érica Cristina Campos, 30 anos, operadora de caixa: "Ampliar as calçadas seria uma mudança muito positiva. Porque hoje tem pouco espaço para caminhar, tanto que muitas pessoas acabam andando pelo meio da rua mesmo. Além do que, mais pessoas passariam aqui pela frente, isso traria clientes para o estabelecimento."
Mayara Bueno da Silva Santos, 27 anos, estudante: "Expandir as calçadas é válido e necessário. A Joel seria um lugar muito mais agradável se esse projeto for implantado. Para caminhar, para passar o horário de almoço. Seria um espaço melhor para as pessoas."
Vitória de Oliveira: "Esse projeto aumentaria muito nossa segurança para caminhar. A gente trabalha e almoça aqui todos os dias, então andamos muito a pé. E, como nós, muitas outras pessoas. Com certeza essa mudança faria a rua melhor para todos."
Calçadas mais largas foram uma das principais mudanças apontadas como necessária pelos pedestres entrevistados (Foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)