Região Metropolitana do Rio de Janeiro busca soluções holísticas para os desafios urbanos
Em dezembro de 2014, a sanção do Estatuto da Metrópole estabeleceu a chamada governança interfederativa: cidades e estados devem compartilhar responsabilidades no planejamento e na execução de ações para o cumprimento de funções públicas de interesse comum. Na prática, o Estatuto estipulou aos municípios que integram regiões metropolitanas o prazo de três anos para desenvolverem Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado (PNDI). É o caso do Rio de Janeiro, que desde o ano passado trabalha em seu Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana, batizado “Modelar a Metrópole”.
O WRI Brasil Cidades Sustentáveis integra o Conselho Consultivo do Plano e, nesta sexta-feira (9), ajudou a conduzir o encontro Projetos Urbanos Multifuncionais, evento que uniu apresentações técnicas e atividade prática para os representantes dos municípios que compõem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Um público de aproximadamente 130 pessoas acompanhou as colocações de Vicente Loureiro, Diretor Executivo da Câmara Metropolitana de Integração Governamental do Rio de Janeiro; Luis Antonio Lindau, Diretor do WRI Brasil Cidades Sustentáveis; Delmo Pinho, Subsecretário Estadual de Transportes do Rio; e Giovanni Guidoni, Secretário de Urbanismo, Habitação e Meio Ambiente de Nova Iguaçu, que deram início à programação do dia falando sobre a relevância de se pensar em projetos de caráter multissetorial, capazes de prover soluções para diferentes áreas.
(Foto: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
“Vivemos hoje um momento oportuno para pensar a construção das cidades. A Nova Agenda Urbana que será debatida em Quito na Habitat III propõe que repensemos o desenvolvimento urbano, buscando um modelo mais equilibrado e sustentável. A Região Metropolitana do Rio vai nessa direção com o trabalho que vem sendo desenvolvido”, iniciou Lindau.
Em um contexto que ultrapassa os limites de apenas um município e abrange o grupo de 21 cidades que compõem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, estruturar projetos abrangentes é necessário para atender às necessidades dessa população, atualmente estimada em 12,2 milhões de habitantes. “Nosso grande desafio é passar o discurso para a prática. Muitas vezes, ao elaborar projetos, reforçamos a visão setorial, com resultados insignificantes. O objetivo é melhorar a vida metropolitana e desenvolver um modelo mais sustentável para esses municípios, que leve mais qualidade de vida para a população, e para isso precisamos buscar alternativas holísticas, desenvolvendo projetos multifuncionais”, enfatizou Loureiro (acima).
Uma oportunidade para o Desenvolvimento Urbano Orientado ao Transporte Sustentável
Todos os dias, uma parcela significativa das milhões de pessoas que vivem na RM do Rio enfrenta longos deslocamentos de uma cidade a outra para ir ao trabalho e voltar para casa. O desenvolvimento de uma estratégia de planejamento integrado tem potencial de reestruturar a dinâmica dessas cidades, tornando os serviços urbanos mais conectados e integrados, além de ser uma oportunidade para a aplicação dos princípios do Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS).
Como explicou a Diretora de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, Nívea Oppermann, o DOTS é um modelo de planejamento que prevê a construção de comunidades urbanas seguindo um modelo 3C – compactas, coordenadas e conectadas. Para isso, parte de alguns fatores-chave, como a densificação, o uso misto do solo, a oferta de espaços de lazer, emprego e moradia na mesma área e a implantação de infraestruturas de transporte coletivo de qualidade.
Nívea Opperman: o DOTS pode encaminhar a mudança nas cidades (Foto: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
A conexão entre os municípios que compõem a Região Metropolitana do Rio, bem como sua ligação com a capital fluminense, forma uma rede propícia à implantação do DOTS: os corredores de transporte geram a circulação de passageiros e, quando se cruzam, criam pontos de conectividade com uma concentração ainda maior de pessoas. “Quando aplicado de forma adequada, o DOTS comprovadamente traz uma série de benefícios para a cidade – desde a redução do uso do carro até a criação de novas centralidades”, ressaltou Nívea.
O novo plano integrado da Região Metropolitana do Rio incorpora alguns princípios do DOTS e prevê, por exemplo, a intensificação do uso habitacional onde já exista concentração de serviços urbanos (como transportes, escolas, hospitais etc) e a criação ou reforço de serviços em locais já densamente ocupados.
Viabilizando projetos multifuncionais
No caso do Rio de Janeiro, as grandes distâncias são um dos principais desafios a serem vencidos. Nesse cenário, o financiamento da expansão, da operação e da manutenção dos sistemas de mobilidade na RM é um ponto chave para a boa gestão do sistema.
O engenheiro e consultor Renato Grilo Ely (direita) falou sobre os benefícios das parcerias público-privadas como alternativa de financiamento para a implantação de sistemas BRT. “O BRT é um sistema que tem como resultados a divisão mais equilibrada do sistema viário e a redução nos tempos de deslocamento para os passageiros. A divisão de responsabilidades entre setor público e privado é um caminho para a implantação eficaz e com qualidade desses sistemas, com ganhos para os dois lados”, considerou.
O consultor apresentou projetos de algumas cidades que já adotaram ou pretendem adotar a PPP como mecanismo de financiamento. Uma delas é Florianópolis. Entre outras conclusões, o diagnóstico elaborado pelo Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis (PLAMUS) apontou a forte concentração de empregos concentrados na ilha e a pequena participação do transporte coletivo na divisão modal. Diante disso, a capital catarinense encontra-se com o desafio de repensar seu modelo de desenvolvimento, incluindo os municípios da Região Metropolitana. No caso do BRT planejado para a cidade, por exemplo, o escopo da PPP prevê a implantação e a manutenção da infraestrutura do sistema como responsabilidade do parceiro privado.
De Canoas (RS), vem o exemplo de um projeto que incorpora conceitos do DOTS e mostra como é possível aliar transporte coletivo e desenvolvimento urbano sustentável em um projeto economicamente viável. Na cidade, distante 19 quilômetros de Porto Alegre, trens metropolitanos, linhas metropolitanas e ônibus municipais respondem pelas opções de transporte coletivo da cidade. Muitas vezes, porém, os modos se sobrepõem uns aos outros, tornando o sistema ineficiente.
Foi o que contou Marcos Antonio Bosio, Secretário Municipal de Fazenda de Canoas (esquerda), que na sequência apresentou o projeto do aeromóvel que vem sendo desenvolvido na cidade. “O aeromóvel foi pensado como um novo modo de transporte de massa e será o eixo central da rede de transportes em Canoas. É uma solução que será aplicada sem a necessidade de desapropriação das pessoas, além de ser integrado aos modos que já operam”, explicou.
Com apoio técnico do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, o sistema de Canoas conta com um projeto de desenvolvimento para o entorno da via onde o modo será instalado, visando a impedir a especulação imobiliária e incentivar a densificação e a economia local. O modelo ainda inclui benefícios ambientais e financeiros, como baixo custo energético e de manutenção dos veículos, estações simples e funcionais, motores elétricos e veículos automatizados.
Propostas para modelar a metrópole
O Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado do Rio de Janeiro vai orientar o desenvolvimento das cidades da Região Metropolitana, endereçando desafios comuns e construindo soluções conjuntas, capazes de qualificar os serviços para além da escala municipal. Com o objetivo de desenvolver propostas que contemplem os diferentes contextos e necessidades da região, representantes dos 21 municípios da RM participaram de uma atividade prática para pensar juntos em novas soluções.
Os participantes foram convidados a elaborar ideias e propostas dentro de dez tópicos:
- Melhorias operacionais nos principais corredores de mobilidade;
- Estações ou pontos modais para integração intermodal;
- Aproveitamento de vazios urbanos;
- Ativos urbanísticos subutilizados (faixas de transmissão, margens de rio etc.);
- Recuperação de áreas degradadas;
- Soluções para deslocamentos não motorizados;
- Fortalecimento e adensamento de centralidades;
- Áreas vocacionadas para atividades industriais e logísticas;
- Parques regionais de lazer;
- Operações urbanas de escala metropolitana.
Divididos em oito grupos, representando oito blocos da Região Metropolitana, os cerca de 130 participantes engajaram-se em um processo de construção coletiva de soluções para os desafios urbanos da região. A primeira etapa da atividade consistiu na construção de um cenário de diagnóstico, na qual os grupos analisaram os principais problemas e potencialidades de cada bloco de cidades. Na sequência, os grupos elaboraram suas propostas: as ideias de projetos foram desenvolvidas seguindo uma abordagem holística - ou seja, projetos capazes de oferecer soluções integradas e contemplar diferentes setores urbanos. Por fim, no encerramento da atividade, as ideias de cada grupo foram dispostas em um mapa da Região Metropolitana do Rio, para que pudessem ser debatidas com os demais, e dez delas serão analisadas para integrar o Plano.
"Não é só uma coisa ou outra: são as duas juntas e muitas mais. É dessa complexidade - dessa muntifuncionalidade - que precisamos para qualificar a vida nas nossas cidades. Nós temos a obrigação de buscar soluções que conectem as centralidades de toda a nossa Região Metropolitana e hoje avançamos nessa tarefa", finalizou Vicente Loureiro.
(Fotos: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)