Reflexão sobre mobilidade e participação social ganha espaço nas ruas de São Paulo
As cidades são moldadas pelos usos que fazemos delas. Mais do que uma opção de lazer, ocupar os espaços públicos é um discurso: ao usufruir do que os centros urbanos nos oferecem, exercemos nosso direito à cidade e afirmamos nossa presença e participação. Nesse sentido, levar discussões sobre a cidade para locais públicos facilita a participação cidadã e amplia o entendimento sobre cidades para pessoas. E foi essa a meta do WRI Brasil Cidades Sustentáveis ao levar para São Paulo a ação (Vida)³ na Praça.
Instalamos uma estrutura especial na Praça Alexandre de Gusmão – o cubo que inspirou o nome da ação – e, ao longo de dois dias (sábado, 27, e domingo, 28), promovemos uma série de atividades com o objetivo de explorar os conceitos de transporte público, mobilidade, segurança viária, participação social e governança urbana de forma acessível a um público muitas vezes leigo. Ao aliar conhecimento técnico ao ambiente externo e descontraído de uma praça, envolvemos a população em uma nova experimentação do espaço público e estimulamos a reflexão sobre temas relevantes para as cidades.
O cubo instalado na praça proporcionou uma nova experiência na ocupação de um espaço público (Foto: Victor Moriyama)
“Essa ação mostra para as pessoas como os espaços públicos podem ser melhor aproveitados e também contribuir para aumentar a qualidade de vida nas cidades. Levar discussões sobre a cidade para locais onde as pessoas possam participar facilita o acesso à informação. Uma cidade humana é criada com a participação de todos”, avalia Daniely Votto, Gerente de Governança do WRI Brasil Cidades Sustentáveis.
Com o objetivo de levar o debate até as pessoas, duas rodas de conversa ocuparam o gramado da praça neste final de semana. No sábado, o painel Mobilidade nas Eleições analisou os desafios da mobilidade em São Paulo e o que deve ser considerado pelos candidatos a prefeitos em suas propostas. Na tarde de hoje, para complementar a discussão do sábado, o debate teve como foco a participação social: de que formas sociedade e governos podem trabalhar juntos na construção de cidades melhores.
As atividades organizadas na praça nesses dois dias engajaram as pessoas nas discussões e mostraram como a circulação de conhecimentos técnicos entre públicos diversos democratiza as possibilidades de construção das cidades e potencializa novas formas de pensar e agir. Com a participação de todos, é possível criar mudanças positivas e duradouras em nossas cidades. A construção de cidades mais humanas, inclusivas e seguras é uma responsabilidade do poder público, mas também das pessoas – e oferecer espaços que possibilitem a reflexão e o diálogo é uma forma de fortalecer essa mudança. “São pequenos movimentos, que parecem pequenos quando começam, mas que têm um impacto poderoso. É por meio dessas iniciativas que as cidades começam a mudar”, reforçou Daniely.
Nós construímos a cidade
O envolvimento da população com a política não se resume ao período eleitoral e não acaba na urna eletrônica. Longe disso: na vida em sociedade, a responsabilidade pela construção de cidades mais humanas e justas é de todos. Para tirar as pessoas da zona de conforto e estimular a reflexão sobre novas formas de participação, a roda de conversa Você constrói a cidade instigou o público que ocupou a Praça Alexandre de Gusmão na tarde deste domingo (28) a pensar em sua relação com a cidade.
Bruno Torturra, líder do Fluxo, intermediou uma conversa dinâmica e descontraída, que tocou em questões importantes para o fomento da participação social – os canais de que as pessoas podem se valer para participar, de que formas é possível levar a participação além do voto e como superar a distância entre o meio político e a sociedade, o receio que um lado muitas vezes parece ter do outro. “As instâncias de governo ainda não sabem como promover a participação social de forma efetiva, como envolver a população no processo político de uma forma saudável. Mas novos caminhos estão se configurando – plataformas abertas online em que as pessoas podem opinar, mandatos abertos, laboratórios de governos. Precisamos conhecer e usufruir dessas alternativas”, pontuou Bruno.
A participação social é uma prática essencial para projetos urbanos sólidos e, consequentemente, para a construção de cidades mais equitativas. Além de promover o exercício da cidadania, a participação aumenta a efetividade das políticas e, assim, reduz a ineficiência da gestão pública. Como explicou Daniely Votto, essa é a função do trabalho de governança – envolver a população no que vai afetar seu dia a dia: “Quando há um projeto para determinado bairro, determinada comunidade, é preciso conversar com a população desde o dia zero desse projeto. O sucesso de qualquer projeto depende de ouvir, entender e atender as necessidades da população que vai ser atingida por esse projeto. E, para isso acontecer, é preciso levar as oportunidades de participação até as pessoas, estejam elas no centro ou na periferia”.
Participantes da roda de conversa "Você constrói a cidade": as pessoas têm o poder de mudar para melhor o lugar onde vivem (Foto: Victor Moriyama)
A partir da compreensão de que os espaços públicos não são espaços “sem dono”, são espaços de todos, os processos de governança e participação promovem a descentralização do poder, compartilhando com a população responsabilidades pelos espaços urbanos. Esse é um movimento necessário, na medida em que, muitas vezes, os governos precisam e querem a ajuda da população. “As gestões estão abertas à participação cidadã. Nós vimos isso com nossa experiência no coletivo. Se nós queremos mudar algo na cidade, nós temos esse poder – basta colocar a ideia em prática e seguir até o fim”, assegurou Carla Link, cofundadora do Talking City e do Coletivo Ocupe & Abrace que, entre outras inciativas, revitalizou a Praça da Nascente, em São Paulo.
Identificar novos canais de participação é o trabalho desenvolvido pelo Update, iniciativa que já mapeou mais de 700 projetos em 21 países latino-americanos. Caio Tendolini, representante do grupo, participou da conversa desta tarde e salientou que o poder de mudança está ao alcance das pessoas: “A população é colocada em uma posição de reclamante quando deve e precisa ser estimulada a função de participante. O debate nacional é muito distante, é difícil que tenhamos influência nessa escala. Mas quando se trata da nossa praça, da nossa rua ou mesmo da nossa cidade, há uma janela considerável de atuação”.
As colocações do público na conversa corroboraram os pontos levantados pelos participantes do painel. As cidades brasileiras ainda são carentes de participação, mas em todas elas há grupos interessados em agir para melhorar os espaços urbanos. E a governança urbana abrange os mecanismos e processos que colocam a participação social na origem do debate das soluções. “De um lado, gestores públicos costumam ter muita dificuldade no desenvolvimento e execução de bons projetos e, de outro, as cidades carecem de participação da sociedade. Existe uma lacuna. Nosso trabalho de governança atua para construir essa ponte entre a população e a gestão pública e, assim, construir cidades melhores”, concluiu Daniely.
Público atento ao debate sobre governança e participação social (Foto: Victor Moriyama)
Um assunto que precisa ser debatido
Como a mobilidade está sendo tratada na pauta dos candidatos a prefeito em São Paulo? E o que deve ser levado em conta para termos propostas de políticas públicas eficazes nessa área? Essas questões nortearam a roda de conversa Mobilidade nas Eleições, que na tarde de sábado (27) convidou o público a uma reflexão sobre os centros urbanos.
A redução dos limites de velocidade, que ajudou a reduzir o número de acidentes e mortes em diversas vias de São Paulo, ainda divide opiniões, e quem acompanhou o bate-papo na praça teve a oportunidade de conhecer melhor os benefícios dessa medida. “Para entender como a redução dos limites de velocidade funciona, precisamos analisar as velocidades médias praticadas antes, o novo limite e os efeitos de ambos na fluidez do trânsito. A redução da velocidade comprovou que os limites mais baixos têm impacto mínimo na fluidez do trânsito e salvou vidas”, afirmou Cyra Malta, do Ciclocidade.
Segurança viária não é apenas uma expressão técnica. Muito mais do que isso, o termo define um conjunto de medidas que líderes municipais podem implementar para evitar os acidentes de trânsito que tiram tantas vidas todos os anos. Essa foi a mensagem trazida por nossa Gerente de Governança Urbana, Daniely Votto, que mediou a conversa no sábado. “Reduzir os limites de velocidade não é um mecanismo para arrecadar dinheiro com multas, é uma medida para salvar vidas. O que nós queremos é fortalecer o debate, envolver as pessoas na discussão da mobilidade, para que os candidatos que podem se tornar prefeitos levem isso em conta e apresentem boas propostas, capazes de melhorar a vida das pessoas”, salientou Daniely.
Daniely Votto, Gerente de Governança do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, enfatizou os benefícios da redução dos limites de velocidade para salvar vidas no trânsito (Foto: Victor Moriyama)
A redistribuição do espaço viário é outra face assumida pelo que chamamos de segurança viária. Ruas feitas para comportar com conforto todos os modos – carros, ônibus, bicicletas e pedestres – são mais seguras e registram menos acidentes. Em São Paulo, conforme apontou Letícia Bortolon, do ITDP Brasil, são 17 mil quilômetros de vias – mas nem 3% desse total é destinado a outros modais que não o carro: “As políticas de mobilidade passam pelas políticas de uso do solo. As pessoas precisam ter o direito de acessar a cidade e o direito de escolher como vão fazer isso – de carro, ônibus ou bicicleta. O equilíbrio na divisão do espaço viário, com prioridade aos modos coletivos e ativos, é o que constrói as cidades mais humanas que buscamos”.
Ruas com espaços para todos são ruas seguras e, principalmente, acessíveis. Dividir de forma equilibrada a área destinada a cada modal passa por compreender as vias de forma mais ampla. Elas são, afinal, o que liga as pessoas de um ponto a outro e é dessa forma que precisam ser planejadas. “Alargar a rua gradativamente torna a cidade inviável – você terá quadras tão distantes umas das outras que as pessoas eventualmente não chegarão ao outro lado. As cidades precisam de proximidade e conexão, não de altas velocidades e espaço somente para os carros”, argumentou Rafael Calabria, do IDEC, que agora conta com um programa de mobilidade, o MoveCidade.
“Como vocês vieram para cá hoje?”, questionou Vitor Leal, do Greenpeace Brasil. Ao perceber que as respostas se dividiam de forma quase igualitária entre os diferentes modos, o especialista explica: um aspecto-chave na mobilidade urbana é o direito de escolha. “As pessoas precisam poder escolher se querem vir ao centro ou se querem ficar no bairro onde moram. Precisam poder escolher com que meio de transporte querem se deslocar. E, se optarem por permanecer em seu bairro, precisam ter à disposição nesse bairro os serviços e oportunidades de que necessitam”, concluiu o especialista.
Abaixo, algumas fotos do final de semana de (Vida)³ na Praça:
Os Jogos da Mobilidade, criados pelo Idec, envolveram as pessoas em uma forma lúdica de compreender os desafios da mobilidade me São Paulo (Foto: Victor Moriyama)
Elas pedalam, elas consertam: oficina do Bike Anjo orientou as mulheres em relação à manutenção e ao conserto de bicicletas (Foto: Victor Moriyama)
Exposição Mobilidade em 1 Instante, organizada pelo TheCityFix Brasil (Foto: Victor Moriyama)
Praça cheia em São Paulo (Foto: Victor Moriyama)