Políticas de gestão de demanda de viagens ajudam cidades a tornar a mobilidade menos dependente dos carros
Mudar a lógica da distribuição dos espaços públicos é um grande desafio para a mobilidade urbana das cidades brasileiras: é preciso enfrentar discordâncias, educar a população sobre o impacto de cada medida e, claro, vontade política para transformar ideias em realidade. Na mesa de encerramento da sala temática Desafios da Mobilidade Urbana, organizada pelo WRI Brasil no IV Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável, foi debatido como a Gestão de Demanda de Viagens pode melhorar a mobilidade urbana em um cenário escasso de recursos. Participaram da mesa Silvana Zioni, pesquisadora da Universidade Federal do ABC (UFABC); Clayton Lane, CEO do ITDP e Beatriz Rodrigues, arquiteta da equipe do Plano de Ações Imediatas em Trânsito e Transporte de Fortaleza (PAITT).
Há uma relação direta entre a quantidade de espaços de estacionamento disponíveis na cidade e o aumento da frota e do uso do carro. Vagas em excesso, disponíveis muitas vezes sem custo, tendem a aumentar a dependência do veículo individual como meio de transporte. Um estudo apresentado no The Transportation Research Board (TRB) de 2016, por exemplo, mostrou que aumentar a taxa de disponibilidade de vagas de estacionamento de 0,1 para 0,5 por pessoa está associado com um aumento da participação do automóvel na divisão modal de quase 30%. Clayton falou sobre a relação entre espaços de estacionamento e custos indiretos para os cidadãos. Ele deu como exemplo o caso da habitação, que pode ter custo até 60% maior em função do espaço para guardar carros, ou dos supermercados, que aumentam o preço dos produtos para todos em função do estacionamento que, normalmente, beneficia os clientes de maior poder aquisitivo. "Podemos desenhar cidades para pessoas ou para carros, não podemos fazer as duas coisas. Quando é mais barato estacionar do que pagar uma passagem de ônibus, estamos mandando a mensagem errada. Estamos dizendo 'dirija mais'", destacou Lane.
As empresas também têm um papel relevante nesse processo. Por meio de incentivos como vagas de estacionamento, auxílio combustível, disponibilidade de veículos corporativos e táxis, para citar apenas os mais comuns, há uma contribuição relevante para problemas crônicos na mobilidade das cidades. Uma pesquisa realizada por pesquisadores do WRI Brasil com cinco empresas de diferentes tamanhos revelou que elas gastam, em média, 60% do orçamento com deslocamento dos funcionários em políticas voltadas para o carro. Guillermo Petzhold, especialista de Mobilidade Urbana do WRI Brasil, responsável por moderar o debate, destacou a importância de incluir o setor privado na mudança dessa realidade. "De nada adianta investir centenas de quilômetros em ciclovias se, na outra ponta, as pessoas vão chegar no local de trabalho, na universidade, e não ter onde estacionar a bicicleta. Não é incomum ver um estacionamento pavimentado e bonito, enquanto o bicicletário fica renegado a um canto, sem cobertura nem segurança", lembrou Petzhold.
O WRI Brasil tem trabalhado com a UFABC no diagnóstico da mobilidade da instituição e está contribuindo na elaboração de um projeto de gestão de demanda de viagens capaz de incentivar modos mais sustentáveis de transporte entre alunos, professores e demais funcionários. Silvana contou que a universidade tem dois campi em municípios diferentes e alguns alunos chegam a percorrer até 100 quilômetros por dia para frequentar as aulas.
Fortaleza, um exemplo de cidade que tem investido no estímulo ao transporte sustentável, já colhe frutos de suas ações. Beatriz contou como a capital do Ceará se tornou a cidade com o sistema de bicicletas compartilhadas mais usado do Brasil, com seis viagens de bicicleta por dia, número próximo ao de Londres, que tem sete. "Claro que os técnicos contam muito, temos uma equipe muito comprometida, mas não teríamos feito nada disso sem vontade política. Desde o secretário até o prefeito tem acolhido nossas iniciativas e entendido as justificativas técnicas de cada uma. Isso é muito importante, pois sabemos que muitas vezes as questões políticas vêm antes das questões técnicas", afirmou Beatriz.
Beatriz (à esquerda), falou sobre a experiência de Fortaleza (foto: Mariana Gil/WRI Brasil)
Um dos projetos mais interessantes de Fortaleza é o projeto Bicicleta Integrada, que promove a integração modal na cidade, com grandes estações de bicicletas compartilhadas próximas a estações de transporte e com pagamento pelo bilhete único. "O segredo do nosso sucesso foi evoluir aos poucos, cada vez tentando dar um passo maior. Foi um desafio conscientizar a população a aceitar as bicicletas, mas hoje é uma realidade. O Bicicletar, de bicicletas compartilhadas, tem aprovação de 80% dos usuários e 70% utiliza o serviço com o bilhete único. Vamos errando, acertando e tentando construir uma cidade sustentável, uma cidade que a gente quer", contou Beatriz.
Lane ressaltou que políticas de desincentivo ao uso do carro precisam ser acompanhadas de ótimas alternativas de transporte sustentável, para que os cidadãos percebam os benefícios dessa escolha. "Retirar vagas de estacionamento ainda é uma questão muito emocional para as pessoas e é sempre difícil politicamente. Precisamos educar as pessoas para elas entederem os benefícios sociais, econômicos e ambientais dessa escolha", disse Lane. Petzhold citou alguns exemplos de políticas públicas interessantes, como o selo Empresa Amiga da Bicicleta, presente em Curitiba, Joinville, e em tramitação em Fortaleza. Outro caso de sucesso é a diretriz de Belo Horizonte para que organizações com mais de 200 funcionários, escolas e universidades, desenvolvam planos de mobilidade corporativa mais complexas do que as soluções comuns de polos geradores de tráfego.
As atividades do WRI Brasil no EMDS são apoiadas por: CIFF (Children's Investment Fund Foundation), Stephen M. Ross Philanthropies, ICS (Instituto Clima e Sociedade), Fedex Express, Arconic Foundation, BMZ (Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha), GIZ, Citi Foundation, Centro de Excelência ALC-BRT e UNEP.