Onze cidades brasileiras apresentam suas Ruas Completas
Pouco mais de meio ano depois do lançamento da Rede Nacional para a Mobilidade de Baixo Carbono, chegou a hora de compartilhar as experiências de cada município no desenvolvimento dos projetos de Ruas Completas. Reunidas em Recife na 72ª Reunião Geral da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), realizadora do projeto ao lado do WRI Brasil, as onze cidades brasileiras participantes apresentaram o progresso na concepção dos seus projetos e compartilharam anseios e dificuldades para executá-los. O trabalho também conta com a parceria estratégica da Sobratema e do Sinaenco.
Foram muitos workshops – um em cada cidade – ao longo de 2017 e diversos aprendizados que resultaram no avanço das propostas localmente. “Não tem um projeto que não tenha recuperado o espaço urbano para as pessoas, de acordo com o que falamos nos treinamentos. Nossa intenção no próximo ano é trabalhar na participação social e no financiamento para que os projetos saiam do papel de acordo com as demandas da sociedade”, afirmou Paula Santos, coordenadora de Mobilidade Ativa do WRI Brasil.
Durante o encontro em Recife, ocorrido na última terça-feira (28), cada uma das cidades da Rede apresentou seu projeto para transformar uma rua de acordo com os conceitos de Ruas Completas. Veja abaixo um resumo do que cada cidade pretende executar:
Cidades compartilham suas experiências
O encontro em Recife serviu também para que a Rede Nacional para a Mobilidade de Baixo Carbono se fortalecesse e os representantes das cidades trocassem informações e desafios do andamento dos projetos. A apresentação de São Paulo, que já conseguiu avançar na primeira fase de transformação da Rua Joel Carlos Borges, gerou uma discussão saudável sobre como enfrentar a próxima fase do processo, que é ouvir a população e definir modelos de financiamento das propostas. Na capital paulista, a moradora da única casa da rua foi também a única pessoa ouvida pela organização do projeto que foi contrária à intervenção, como se pode ver nesse vídeo.
Uma das formas de amenizar essas dificuldades é incorporando os desejos dos moradores ainda na fase de projetos. Sideney Schreiner, diretor executivo de Planejamento e Mobilidade do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira, de Recife, contou que a cidade organizou um encontro com comerciantes e residentes na Rua da Hora, que receberá o projeto de Ruas Completas. “Tínhamos um rascunho do projeto e nos propusemos a conversar com as pessoas. Usamos uma metodologia já adotada para construir o Plano de Mobilidade, falamos sobre pedestres, ciclistas, transporte coletivo, e chegamos – ainda bem – a algo muito próximo do que já estávamos trabalhando. Então fica essa sugestão de ouvir a população antes de começar a desenhar o projeto", disse.
(Fotos: Daniel Hunter/WRI Brasil)
Para Tania Scofield, presidente da Fundação Mário Leal Ferreira, de Salvador, fazer análises e levantamentos de dados é parte fundamental para o sucesso das Ruas Completas. “[Esse tipo de projeto] É inclusive uma mudança de valor, do individual para o coletivo. Por isso, gosto da ideia das intervenções temporárias, pois uma avaliação posterior valoriza e legitima o projeto”, disse. Ana Paula Hoppe Bonini, arquiteta da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), de Porto Alegre, ressaltou a importância de conquistar apoio internamente: “Um ponto muito importante, principalmente nas fases iniciais, de testes, é que os gestores acreditem no trabalho dos técnicos e mantenham o apoio aos projetos, não voltem atrás na primeira crítica da população”. Rodrigo Tortoriello, secretário de Transportes de Juiz de Fora, também chamou a atenção para essa questão: “Acho que nosso grande desafio, em São Paulo, Brasília, Recife, em todas as cidades, é como engajar a sociedade. Por isso a rede mantida pelo WRI Brasil e pela FNP é importante para que a gente possa somar as experiências de cada um e tentar fortalecer um ao outro”.
O surgimento de mais Ruas Completas pelo Brasil ajudará no convencimento de gestores públicos e da própria sociedade para o valor do conceito, na opinião de Carolina Cominotti, assessora de planejamento urbano da Secretaria de Mobilidade e Transportes de São Paulo. Ela espera que o exemplo da Joel sirva de inspiração para intervenções maiores. “Sempre tem alguém para dizer que aqui não é a Europa ou os Estados Unidos para fazer esse tipo de projeto. Considero importante termos exemplos tupiniquins, bem brasileiros, mesmo que pequenos, pois eles mostram que dá para fazer diferente mesmo com poucos recursos”, destacou Carolina.
Alunos do curso de Arquitetura de Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco trabalharam em maquetes de cada um dos projetos:
(Fotos: Daniel Hunter/WRI Brasil)
Coalisão americana apresentou o início das Ruas Completas
Foi nos Estados Unidos que surgiu a National Complete Streets Coalition e, com ela, o conceito de Ruas Completas. Formada por organizações de interesses bastante variados, reúne grupos como associações de idosos, de transporte, de saúde, de arquitetos, assim como grupos que lutam pelas bicicletas e pela caminhada. Emiko Atherton, diretora da organização e a analista Heather Zaccaro estiveram em Recife para compartilhar a sua estratégia de atuação e exemplos de avanços conquistados. Desde 2004, quando a coalisão foi criada, 1.060 agências de nível local, regional e estadual adotaram políticas de ruas completas, totalizando mais de 1.300 pelo mundo.
O trabalho da National Complete Streets Coalition é mais focado em perseguir a criação de políticas de ruas completas do que nos detalhes técnicos dos projetos. “Nosso modelo é de maior investimento nas políticas, nosso sucesso foi levantar a ideia, mas as cidades adotaram cada uma da sua maneira, desde as cidades grandes até as pequenas. É preciso fazer com que as pessoas se sintam parte daquilo, assumam aquilo", explicou Emiko. Os argumentos da coalisão para os benefícios das ruas completas são bastante amplos, como ganhos econômicos, para o comércio, benefícios ambientais, de saúde, equidade, acessibilidade, segurança viária, resiliência e desenvolvimento do transporte coletivo.
Emiko Atherton, diretora da National Complete Streets Coalition (foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)
Diversos casos de sucesso foram apresentados, não só em grandes metrópoles americanas, como em cidades pequenas, historicamente desenvolvidas a partir de um modelo de mobilidade voltado para os veículos individuais. Miami-Dade, na Flórida, por exemplo, o lugar mais perigoso para se caminhar nos Estados Unidos, decidiu implementar por uma semana a sua primeira faixa de ônibus, assim como uma ciclofaixa. Ao contrário do que a própria cidade esperava, após os sete dias, uma pesquisa realizada revelou que 9 em cada 10 pessoas gostariam que a intervenção permanecesse.
Outro exemplo interessante parte de um diagnóstico extenso realizado em Corpus Christi, no Texas, que, com alta taxa de obesidade, resolveu investir no estímulo aos deslocamentos de bicicleta para mitigar o problema. A partir de um levantamento a cidade identificou os pontos de interesse da população para ciclovias e criou um plano estratégico de mobilidade ativa. Após novos 460 quilômetros de ciclovias, a cidade tem agora uma rede que conecta 82% dos destinos mais importantes para os cidadãos.
Após assistirem à apresentação dos projetos brasileiros, elas se mostraram surpresas com as propostas. “O trabalho de todas essas cidades brasileiras é incrível. Na nossa apresentação, estávamos falando sobre os projetos que tinham benefícios, que conseguimos implementar. Mas ainda temos muita resistência nos Estados Unidos. As vezes os técnicos lá também aprendem apenas um jeito de fazer, também temos resistência dos empresários, entre outros desafios. Ser diferente é difícil, pois nem todo mundo vai concordar. Mas o que vocês já estão fazendo é mostrar que as suas ruas podem capturar a imaginação das pessoas. Esse é um passo importante", afirmou Heather.