Missão México: acessibilidade e desenvolvimento urbano na pauta para a construção de cidades melhores
A acessibilidade não é um privilégio que beneficia apenas pessoas com restrições de mobilidade. Ao contrário: princípios básicos de acessibilidade, como calçadas planas e amplas, aumentam o conforto, a segurança e a eficiência dos espaços urbanos, impactando positivamente os deslocamentos de todos. Somado ao fato de que se trata de um direito fundamental das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, esse entendimento é o primeiro passo para compreender o papel desempenhado pelo desenho urbano acessível.
Sob as árvores da região de Coyoacán, esse foi o primeiro assunto do dia na jornada dos vencedores dos concursos Acessibilidade Pata Todos e São Paulo Áreas 40. O encontro foi com a Vice-Presidente da associação Libre Acceso, Laura Bermejo Molina (à esquerda), que falou ao grupo sobre os impactos da acessibilidade – ou da falta dela – nos ambientes urbanos.
A associação Libre Acceso, conforme contou Laura, trabalha para requalificar espaços urbanos de forma que incluam as pessoas com deficiência – e o ponto inicial da caminhada foi um exemplo. O parque de bolso em frente ao café El Jarocho foi construído no afunilamento de duas vias do bairro, planejado para ser um espaço público acessível, e serviu de base para que a especialista apontasse um dos fundamentos da acessibilidade: “Os diversos ambientes das cidades devem ser adequados para a circulação de todas as pessoas, independentemente de suas condições de mobilidade. Se não há espaço ou condições para uma cadeira de rodas acessar, não é um espaço acessível”.
Parque de bolso em Coyoácan (Foto: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Calçadas estreitas ou disformes, falta de continuidade nas estruturas e ausência de rampas de acesso são apenas alguns dos problemas enfrentados pelas pessoas com mobilidade reduzida ou usuários de cadeiras de rodas. Superar ou minimizar esses problemas foi a proposta do concurso Acessibilidade para Todos em Belo Horizonte e, na companhia da especialista, o grupo aprofundou os conhecimentos no tema a partir do contexto mexicano. “Podemos ver que as dificuldades deles são muito parecidas com as nossas em termos de acessibilidade - rampas nos lugares errados, calçadas irregulares etc. Conhecer a experiência de outro país com os mesmos desafios é muito válido”, comentou Izabela Ribas, uma das vencedoras do concurso de Belo Horizonte.
A caminhada seguiu pelas ruas do bairro, em um percurso que permitiu aos viajantes conhecerem exemplos positivos e negativos no que diz respeito à acessibilidade urbana. Conforme enfatizou Laura, incorporar os princípios da acessibilidade universal no planejamento das cidades é um processo que depende também de uma mudança de cultura no próprio uso desses espaços. “São questões que precisam andar juntas. Se algo vai ser construído, é necessário que se considere o entorno, a segurança dos pedestres, a iluminação, as condições de acesso. No planejamento de espaços urbanos, sejam pequenos parques ou as cidades em sentido mais amplo, esses elementos não podem ser pensados de forma isolada, mas como partes de um todo que precisam funcionar juntas”, avaliou.
A praça em frente ao Mercado Artesanal da Cidade do México foi o ponto final da caminhada (Foto: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Um novo modelo desenvolvimento para as cidades
Espaços urbanos que conectam pessoas, serviços e oportunidades devem ser o alvo do trabalho nas áreas de desenvolvimento urbano e acessibilidade. As cidades, tanto mexicanas quanto brasileiras, precisam de um modelo de desenvolvimento que integre transporte coletivo de qualidade, segurança, espaços públicos e infraestrutura adequada para pedestres e ciclistas. É o que explica Tanya Jiménez, Coordenadora de Políticas Públicas em Desenvolvimento Urbano do WRI México, segunda especialista do dia a encontrar o grupo de viajantes da Missão México.
O ponto de encontro foi a Cineteca Nacional. O espaço que reúne toda a produção cinematográfica do México abriu as portas pela primeira vez em 1974 com a projeção de El compadre Mendoza (1933), do diretor Fernando de Fuentes. Desde então, a Cineteca segue um caminho bem-sucedido em sua missão de preservar a memória e, ao mesmo tempo, promover a cultura cinematográfica no país. Em 2011, a área passou por um processo de modernização que incluiu a ampliação das instalações e fez da Cineteca um espaço público diariamente usufruído pela população, com áreas verdes, cafés, bares, livrarias e exposições.
Esse foi o cenário para o debate sobre as mudanças necessárias no modelo de desenvolvimento urbano ainda predominante em muitas cidades brasileiras e mexicanas. “Os sistemas de transporte coletivo e habitação social, por exemplo, podem e devem ser pensados de forma integrada”, começou Tanya (à direita), “sistemas de transporte e habitação que oneram a população com gastos de tempo e dinheiro em longos deslocamentos estão ligados a um modelo de desenvolvimento urbano que precisa ser repensado”, afirmou.
O transporte coletivo deveria ser suficiente para que as pessoas satisfizessem suas necessidades de deslocamento sem utilizar o carro. Embora essa ainda não seja a realidade da maioria das cidades, um dos caminhos para garantir que isso aconteça passa pelas estações: “Tanto as estações de transporte quanto seu entorno precisam ser agradáveis e atrativos para as pessoas. Se esses ambientes atenderem às necessidades das pessoas, oferecendo diversidade de usos, integração com outros modais, acessibilidade e áreas de descanso, isso reduz a necessidade de recorrer ao carro para esses fins”, explicou a especialista.
Tanto no Brasil quanto no México, o índice de população urbana cresceu significativamente nos últimos anos e tende a seguir aumentando. Diante disso, as cidades precisam se tornar mais conectadas, contar com uma rede integrada de transportes, garantir a prioridade de pedestres e ciclistas e, conforme salientou Tanya, isso só é possível com uma mudança na maneira como são planejadas. Essas mudanças, porém, não podem ser impostas. Ao contrário, precisam considerar as necessidades e desejos da população: “As pessoas sabem melhor do que qualquer especialista do que precisam em seu bairro e em sua cidade. Não ouvi-las é um erro”.
Grupo de viajantes na Cineteca Nacional (Foto: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Segurança viária: a experiência da Cidade do México
Espaços públicos, acessibilidade e desenvolvimento urbano estão interligados entre si e também diretamente relacionados a outro elemento fundamental no que diz respeito a cidades mais humanas: segurança viária. Na tarde desta quarta-feira (21), Erik Cisneros, do Departamento de Serviços Urbanos da Administração Municipal da Cidade do México, conduziu uma caminhada pelo centro da capital mexicana onde foi possível ver o impacto e os benefícios de algumas infraestruturas já implementadas na cidade para aumentar a segurança dos pedestres.
“Quando instalamos uma infraestrutura temporária, para testar seus efeitos, esse impacto fica muito claro – as pessoas percebem a diferença quando a estrutura está ausente. Nesses momentos, aparecem linhas de desejo oprimidas: as pessoas gostariam de usar determinado espaço ou atravessar em determinado ponto da rua, mas não podem por falta de segurança. Com a intervenção isso muda”, comentou o especialista. Isso vale, por exemplo, para as faixas segregadas em algumas vias do centro da Cidade do México onde as pessoas podem caminhar e andar de bicicleta. Implementadas há mais de um ano, foram bem aceitas pela população e pelo comércio local: “Por aqui, os comerciantes já conhecem os benefícios dessa medida. Em alguns pontos, as vendas tiveram um crescimento de 400% desde que a faixa passou a valer”.
Espaço compartilhado entre pedestres e ciclistas no centro da Cidade do México (Foto: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Como apontou Cisneros, alguns fatores são essenciais para garantir a segurança dos pedestres: continuidade na linha dos deslocamentos (com faixas de travessia nas saídas de estações, por exemplo), redução das distâncias de travessia e dos tempos de espera, prioridade semafórica, sinalização adequada e estruturas visíveis que indiquem a exclusividade ou a prioridade dos pedestres, entre outros. Esses fatores são o objeto de trabalho do Programa Pasos Seguros, adotado recentemente na capital mexicana, que vem implementando mudanças no desenho urbano para melhorar a segurança viária. Das cerca de mil mortes anuais no trânsito da cidade, 60% são de pessoas que estavam caminhando – e mudar esse número, conforme salientou o especialista, é mudar o desenho da cidade: “Uma passarela elevada nunca será uma solução para evitar acidentes e mortes. As pessoas precisam ser a prioridade e, para isso, o percurso natural da caminhada deve ser respeitado, com travessia em nível e tempo adequado no semáforo”.
A atividade foi a oportunidade para André Felipe e Beatriz Rodrigues, das prefeituras de São Paulo e Fortaleza, respectivamente, conhecerem as experiências mexicanas de segurança viária. Em 2015, as duas capitais foram as cidades brasileiras selecionadas para integrar a Iniciativa Global para Segurança Viária da Bloomberg Philanthropies; agora, contam com novos conhecimentos que podem ser aplicados nos projetos de segurança viária que vêm sendo implementados nas duas cidades desde então. “Foi muito enriquecedor conhecer as ações que estão sendo implementadas aqui e perceber que são semelhantes ao nosso trabalho em muitos aspectos. Tanto no Brasil quanto no México, temos o mesmo desafio”, avaliou Beatriz.
Erik Cisneros fala sobre as intervenções de segurança viária na capital mexicana (Foto: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)