Mais infraestrutura, mais ciclistas: ambiente seguro é determinante para os deslocamentos de bicicleta
A bicicleta como meio de deslocamento é uma realidade cada vez mais presente nas cidades brasileiras. No entanto, a infraestrutura cicloviária ainda precisa de atenção para que as pessoas considerem o uso da bicicleta em sua escolha modal. Integrar todos os atores do processo é uma forma de encontrar um projeto mais seguro e eficiente.
A Prefeitura de Fortaleza (CE) vem implantando diversas ações nesse sentido, principalmente após o lançamento do Plano de Ações Imediatas de Transporte e Trânsito (PAITT). Para estimular as conversas e a integração entre os diferentes setores e departamentos envolvidos nesse processo, nesta quinta-feira (08) o WRI Brasil Cidades Sustentáveis deu início ao workshop “Estratégias de Incentivo ao Ciclismo Urbano em Fortaleza”, com o apoio da Iniciativa Global em Segurança Viária da Bloomberg Philanthropies.
“Apesar de Fortaleza ter diversas ações pró-ciclista, quem está envolvido nesses projetos é um grupo pequeno dentro da PAITT. No encontro de hoje, conseguimos reunir diversas secretarias, tanto municipais quanto estaduais. Então, tem muito conhecimento compartilhado e muita integração, fazendo com que as pessoas se conheçam e possam trabalhar juntas, para facilitar futuras elaborações e implantações de projetos. Um evento como esse é fundamental para alcançarmos o objetivo de melhorar a visão de projetos seguros para os ciclistas”, ressaltou Dante Rosado (foto à esquerda), coordenador da Iniciativa Bloomberg em Fortaleza.
A premissa da segurança é muito importante para incentivar o uso da bicicleta nas cidades, principalmente para pequenos deslocamentos. Pesquisas mostram que as pessoas têm interesse na mudança de modal, mas ainda têm medo das ruas, muito voltadas para os automóveis. Por outro lado, diversas cidades identificaram que o aumento da infraestrutura reduz o número de mortes de ciclistas, que passam a ser mais vistos e respeitados no trânsito.
Rafaela Machado, especialista em Segurança Viária do WRI Brasil Cidades Sustentáveis (foto à direita), mostrou exemplos como o de Bogotá, capital da Colômbia, que adicionou mais de 100 km de ciclovias e, com isso, ajudou a reduzir em 47% as mortes de ciclistas em acidentes de trânsito entre 2003 e 2013. "Ao deixar de oferecer uma infraestrutura cicloviária de qualidade, perde-se um grande potencial de tornar a cidade um lugar mais agradável e seguro para todos, pois grande parte da população demonstra interesse em usar a bicicleta como modo de transporte, mas tem grande receio pelos riscos trazidos pelo tráfego motorizado. Investir em uma rede cicloviária adequada é o incentivo que falta para que muitos se tornem adeptos da bicicleta", enfatizou.
Interesse antigo
A atenção para os ciclistas não é um pensamento novo, apesar de estar cada vez mais presente. O exemplo disso são os estudos de José Carlos Aziz Ary (foto abaixo), um dos precursores do incentivo ao uso da bicicleta no Brasil. Engenheiro formado pela Universidade Federal do Ceará, foi para a Bélgica fazer uma especialização, quando teve contato com uma população que optava mais pela bicicleta para os deslocamentos. “Na Bélgica, eles não tinham nenhuma política para bicicletas, mas as pessoas eram ciclistas por natureza, mesmo que todo mundo tivesse carro. A escolha do modal era em função dos tipos de viagem que eram feitas”, comentou.
De volta ao Brasil, ao lado de Antônio Carlos Matos Miranda, integrou o Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (GEIPOT). Em 1976, após pesquisas e baseado na sua experiência pessoal na Bélgica e nas experiências de países como França e Holanda com o uso de bicicletas, eles concluíram o Planejamento Cicloviário: Uma Política Nacional para o Uso da Bicicleta, adotado como primeiro documento oficial para o uso das bicicletas no Brasil.
Nos anos 2000, foi convidado novamente para colaborar com a elaboração de uma nova versão, chamada Manual de Bicicletas, que considera um documento muito mais elaborado e estruturado. Para ele, as bicicletas compartilhadas são ponto importante para essa nova fase. “Os órgãos municipais, com essa iniciativa, demonstraram um interesse oficial para que as bicicletas mudassem de status. Antes, a bicicleta era uma intrusa, transparente. Víamos pessoas de baixa renda utilizando, mas ninguém percebia. Então, eu saúdo com muita alegria a mudança e o lançamento do plano cicloviário de Fortaleza”, concluiu Ary.
A importância do diálogo
Mudar para a bicicleta, para o holandês Warner Vonk (foto abaixo), consultor da Ifluxo, empresa de consultoria e engenharia de mobilidade urbana, é também questão de diálogo. “Precisamos falar sobre os benefícios de um planejamento colaborativo. As pessoas gostam muito de reclamar, mas estamos com dificuldades de dialogar. Precisamos conversar sobre o que é mobilidade para as pessoas. Para resolver os problemas de trânsito, não temos que abrir mais ruas; tirar de 2% a 3% dos carros de circulação já basta. A mobilidade urbana não sustentável, é um círculo vicioso”, disse.
Ele trouxe o exemplo da Holanda, que tem o mesmo tamanho do estado do Rio de Janeiro, quase a mesma população, mas tem 18 milhões de bicicletas, ante as 4 milhões dos cariocas. Com uma divisão modal mais bem distribuída, as viagens de até 2,5km são feitas, em sua maioria, de bicicleta.
E isso significa segurança. Com o aumento no número de bicicletas após os anos 1980, o número de mortes no trânsito caiu de 21 para quatro a cada 100 mil habitantes.
“A bicicleta aproxima as pessoas. Assim começamos a mudar as cidades. Os projetos devem ouvir a população, que sabe onde estão os pontos perigosos, como é andar nas ruas. As prefeituras precisam de outras pessoas para enxergar as falhas, pois tendemos a ver só o que queremos ver. Se as pessoas diretamente envolvidas não forem ouvidas, não se evita os problemas. Chamar as pessoas é a parte mais importante”, defendeu o especialista.
Essa ideia também vem de quem pedala. Claudio Henrique dos Santos, arquiteto e urbanista, e Felipe Alves, engenheiro civil especialista em planejamento cicloviário, são ciclistas urbanos e falaram sobre as questões importantes para a escolha das rotas do dia a dia e os desafios de pedalar em Fortaleza.
Com pouca variação climática e um relevo urbano plano, Fortaleza é uma cidade boa para pedalar. Duas pesquisas já foram realizadas na cidade, uma online e uma presencial, para entender melhor a visão dos ciclistas. E o principal motivo para não começar a pedalar na cidade, de acordo com 47% dos participantes da pesquisa presencial, é a ausência de uma infraestrutura adequada.
Hostilidades, falta de educação de condutores e assédio, principalmente em relação às mulheres, também foram citados como determinantes para a escolha de outros modais. “Existe uma lei que determina que um motorista respeite a distância de 1,5m de um ciclista. Mas, hoje, se 50 motoristas passaram por mim, 50 não respeitaram essa distância. É preciso de campanhas que eduquem os motoristas. Os ciclistas também estão a caminho de algum lugar, não estão apenas se divertindo. A bicicleta precisa ser vista como parte do trânsito”, comentou Felipe (foto acima, à direita).
Já o ponto positivo principal dos deslocamentos de bicicleta é bem simples: a escolha desse modal está baseada no tempo. Ser mais rápido foi o primeiro motivo apontado por 59,4% dos entrevistados. Além disso, o prazer também é apontado como fator que influencia nessa decisão.
Após as apresentações, os participantes do encontro foram convidados a pensar em soluções para uma região que está prevista nos projetos da PAITT. Demonstrando a importância do diálogo, o objetivo era pensar em como resolver a integração entre as áreas da cidade a partir de novos caminhos para a bicicleta. Até sábado (11), o workshop ainda reunirá um grupo de empresários e representantes da sociedade civil para conversar sobre o tema.
A grande questão para as cidades é saber aonde querem chegar e que tipo e ambiente querem oferecer para a população. No momento em que se começa a repensar a estrutura das cidades, pedestres e ciclistas devem estar inseridos no contexto geral com o mesmo peso dos outros componentes do trânsito.
Fotos: Aloha Boeck/WRI Brasil Cidades Sustentáveis