Inovações em mobilidade urbana são debatidas em encontro em Belo Horizonte
O perfil de uma sociedade é definido pelas transformações nelas ocorrida. Importantes avanços em curso nos últimos anos em tecnologia da informação e comunicação vêm alterando a forma como projetamos soluções para a mobilidade urbana. O uso disseminado do smartphone, por exemplo, fez com que serviços peer to peer e sob demanda emergissem para competir com modelos tradicionais de transporte. Para debater esse tema, o WRI Brasil Cidades Sustentáveis organizou o evento Debates sobre Inovações em Mobilidade Urbana, com o apoio da Embaixada Britânica.
O local escolhido para o encontro foi Belo Horizonte, cidade que busca novas soluções para os problemas de transporte. A cidade foi a primeira capital brasileira a elaborar o seu Plano de Mobilidade e, hoje, já está em fase de revisão do mesmo, que orientará ações para o transporte até 2030. Para abrir o evento, o Especialista de Mobilidade Urbana do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, Guillermo Petzhold, apresentou aos presentes o desafio que é falar sobre o tema dos transportes disruptivos atualmente. “Temos um cenário de possibilidades com essas inovações em mobilidade urbana. Elas vêm para agregar e trazer benefícios para as cidades. As inovações em mobilidade são muito mais amplas do que apenas um aplicativo que vem ocupando as manchetes”, salientou.
O uso do aplicativo Uber, iniciativa disruptiva que proporciona uma nova forma de conexão entre motoristas particulares e usuários, foi um dos principais temas do encontro. O Economista Chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Guilherme Mendes Resende, apresentou o estudo do Departamento de Estudos Econômicos (DEE), “Rivalidade após entrada: o impacto imediato do aplicativo Uber sobre as corridas de táxi porta-a-porta”. Depois de analisar o uso do aplicativo em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo, a pesquisa chegou à conclusão de que o Uber não influenciou de forma significativa o mercado de táxis no país.
Guilherme Mendes Resende, do CADE. (Foto: Paula Tanscheit/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Apesar de salientar que o estudo precisa ser atualizado, Resende acredita que o aplicativo gerou uma nova demanda de passageiros. “Se não houve decréscimo em relação às viagens dos outros aplicativos de táxi, é porque o Uber criou um novo mercado”, afirmou. Na época da análise - entre outubro de 2014 e maio de 2015 - o aplicativo não afetava o número de corridas de táxis ao compará-lo com a utilização dos aplicativos 99taxis e EasyTaxi tanto nas cidades onde o Uber já atuava como nas que ainda não estava presente (cidades controle - Recife e Porto Alegre). “Ao analisar de maneira sistêmica a questão, os ganhos para a sociedade em relação a diminuição de viagens, menos congestionamentos, por exemplo, acredito que o Uber representa um ganho.”
Inovações tecnológicas voltadas ao transporte são, em grande parte, motivadas pela geração de modos compartilhados de transporte e a redução do automóvel como um bem, mas sim como um serviço. Em grandes cidades, onde se busca altas densidades, alternativas de transporte compartilhado sob demanda podem representar opções econômicas convenientes e mais sustentável às cidades. Estratégias de Gestão de Demanda de Viagens (GDV) também podem incentivar o transporte ativo e desencorajar a dependência por veículos automotores. Baseado nessa ideia, a plataforma Leva Eu foi desenvolvida com o objetivo de ajudar empresas e instituições de ensino a gerenciar seus deslocamentos diários. Segundo dados da plataforma, substituir o carro pelo Leva Eu para viagens diárias para o trabalho ou escola pode gerar uma economia de até 60% em gastos com transporte.
“O transporte público pode não atenderà demanda do cidadão, que por sua vez também não opta pelo táxi porque não faz a conta do custo que ele tem com o carro particular, como depreciação, por exemplo. Ele apenas acha que o táxi é caro. E dessa forma, já que ele tem, ele usa o carro próprio”, exemplificou o Diretor de Inovação do Leva Eu, André Saúde. Segundo ele, o transporte coletivo privado pode ser uma das formas de evitar essa lógica recorrente. “O transporte coletivo privado pode melhorar o uso da infraestrutura existente, ou seja, a necessidade de infraestrutura continua, mas a que já existe pode ser otimizada.”
(Foto: Paula Tanscheit/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
A mobilidade urbana é um dos maiores desafios das grandes cidades, que acolherão 70% da população, ou 6,3 bilhões de pessoas, até 2050. Com toda essa responsabilidade em vista, surgem muitas questões de como se dará esse processo. Algumas delas foram abordadas no debate realizado na sequência do evento e que contou com a participação de mais de 20 pessoas. Foi altamente reconhecida a necessidade de novos serviços do tipo peer to peer e sob demanda nas cidades para que o transporte se torne mais sustentável e as pessoas tenham uma melhor qualidade de vida. “O mais importante de se debater e de ser avaliar é o nível de satisfação da sociedade. Se a população está buscando outros serviços diferenciados, é porque ela não está satisfeita com o que tem hoje. Esse é o fator principal a ser analisado”, destacou Geraldo Ferreira da Silva, do Ministério Público de Minas Gerais.
“As pessoas abraçaram os novos aplicativos e é por isso que precisamos ampliar mais a estrutura deles, principalmente, no aspecto da regulamentação. Precisamos elaborar uma ferramenta que garanta que o transporte coletivo ilegal de passageiros não volte para as cidades, que levaram tantos anos para erradicá-lo”, ressaltou Sideney Schreiner, do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira (ICPS), da Prefeitura de Recife.
A necessidade que as cidades têm e cada vez mais terão de tirar os carros das ruas faz parte da discussão em relação a alternativas de transporte. A capital mineira, por exemplo, sofre com o aumento do transporte individual perante o coletivo. A frota de veículos quase dobrou entre 2006 e 2016 - passou de 866.304 unidades a 1.714.947 -, segundo dados do Departamento Nacional de Trânsito. “Precisamos ter um planejamento do uso do solo. Às vezes, focamos muito na questão dos modais, mas não podemos ver a discussão da mobilidade apartada do ordenamento do uso do solo”, lembrou Eduardo Leite, Diretor de Mobilidade e Acessibilidade da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SEMOB) de Salvador.
(Foto: Paula Tanscheit/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
“Precisamos tirar um pouco o olhar do tipo de serviço e olhar o cenário futuro das políticas públicas. Existe hoje a tendência de as cidades trabalharem com a questão da gestão de demanda, mais do que oferecer o serviço a medida que a demanda exige. Isso significa trabalhar com políticas de estímulo e desestímulo. É outra lógica e uma maneira de olhar a cidade de uma forma mais sustentável”, disse Marcelo Cintra do Amaral, Coordenador de Políticas de Sustentabilidade da BHTRANS. “Nem toda a viagem, nem todas as pessoas, nem todas as horas são iguais. Quando vemos as possibilidades que os novos serviços oferecem vemos a quantidade de escolhas que ganhamos. Ter várias opções é muito melhor. Esses aplicativos podem mostrar para as cidades e pessoas alternativas de mobilidade e tirar do imaginário delas que o automóvel é a única opção. Hoje queremos ser o ‘usuário flex’, que pode ser flexível para várias opções”, completou Amaral.
O debate faz parte do projeto do WRI Brasil Cidades Sustentáveis com a Embaixada Britânica, que tem como cidades parceiras Belo Horizonte, Recife, Salvador, Florianópolis e Brasília, e busca discutir o conceito de Smart Cities e a sua aplicação no Brasil. O evento também contou com a parceria da Future Cities Catapult. Também participaram representantes da PBH Ativos, Zumpy e da Associação Mineira dos Municípios.