Estratégias de segurança viária ganham espaço na pauta da Nova Agenda Urbana
Todos os dias, 1,8 bilhão de crianças no mundo vão para a escola. Caminham pelas calçadas, cruzam avenidas, algumas até mesmo rodovias. E, todos dias, 500 delas não chegam para as aulas, vítimas de acidentes de trânsito. Essa é uma realidade que precisa ser transformada. Durante a Habitat III, em Quito, a FIA Foundation promoveu um painel com especialistas que atuam em diversos lugares do planeta para transformar as cidades em lugares mais seguros para as pessoas, especialmente para as mais jovens.
A segurança viária é uma das áreas de atuação do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, que já lançou manuais sobre como aprimorar a segurança em corredores de ônibus, qualificar a infraestrutura para o uso de bicicletas em favelas e como desenhar cidades seguras. “Precisamos garantir que qualquer intervenção viária feita em áreas urbanas dê prioridade às pessoas, e a segurança viária deve ser prioridade em todas as cidades e projetos. Há muito conhecimento a ser compartilhado nessa área. É inaceitável que as ruas continuem sendo feitas como hoje, especialmente em áreas pobres, construídas apenas para os carros”, afirmou Luis Antonio Lindau, Diretor do WRI Cidades Sustentáveis.
Também participaram do painel Saul Billingsley, Diretor-Executivo da FIA Foundation; Michelle Yeoh, Embaixadora da Boa Vontade do Programa de Desenvolvimento da ONU; Justin Mortensen, da organização Save the Children; Carlos Cuenca, do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e um dos negociadores líderes do país na Habitat III; Kai Poswayo, engenheira que trabalha com soluções de segurança viária na África; e Amend Avi Silverman, Diretor Global do programa de segurança viária para crianças da UNICEF.
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Michelle e Mortensen têm experiência de atuação na Ásia, em países como Tailândia, Vietnã e Camboja, onde se vê uma participação expressiva das motocicletas no cotidiano das famílias. No entanto, o uso do capacete ainda não é tão natural quanto o transporte motorizado em duas rodas na região. A esse respeito, Michelle contou que o endurecimento das leis ajudou a reduzir os índices de pessoas sem a proteção - que chegava, em algumas áreas, a até 80% dos motociclistas. “No Camboja, as saídas das escolas são tomadas por dezenas de motos e crianças correndo em meio a elas. Percebemos que muitos pais passaram a usar o capacete depois que a fiscalização aumentou, mas as crianças continuavam desprotegidas porque a lei ainda não faz essa exigência”, explicou a especialista.
Na Tailândia, onde atua a organização Save The Children, mais de 1,3 milhão de crianças deslocam-se em motocicletas todos os dias, mas apenas 7% delas usam capacete, mesmo que o uso seja obrigatório por lei. O trânsito mata mais de sete crianças por dia naquele país, realidade que a organização de Justin Mortensen tenta combater com campanhas que envolvem os pequenos no processo. Uma das ações envolveu personalidades tailandesas para criar capacetes pintados pelas próprias crianças, a fim de incentivar que façam parte do uniforme escolar, já que a maioria dos pais usa motos para levar e buscar os filhos na escola.
O diplomata Carlos Cuenca falou sobre as ambições brasileiras de reduzir mortes no trânsito a partir da Década de Ação pela Segurança no Trânsito (2011-2020). Também comentou sobre a inclusão do parágrafo sobre segurança viária na Nova Agenda Urbana, o que ocorreu apenas na última versão do texto. “É um bom parágrafo, estamos felizes com o que foi incluído. Tem substância e é algo que nunca foi dito em um documento da ONU antes. Na minha visão, a segurança viária deveria constar em todas as resoluções da ONU”, defendeu Cuenca.
Participantes do painel da Fia Foundation mostram mensagens de segurança viária (Foto: Bruno Felin/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Lindau também enfatizou os desafios que bairros pobres de diversos países enfrentam em decorrência da falta de um desenho urbano que priorize a segurança das pessoas. Em muitas favelas brasileiras, por exemplo, quando finalmente as ruas foram pavimentadas, não sobrou espaço para as calçadas. As pessoas haviam construído suas casas próximas aos postes de eletricidade, que chegaram antes das ruas, e estas, por sua vez, criaram condições para as altas velocidades por parte dos carros. A segurança viária é um dos elementos para mudar isso: "Para qualquer modo de transporte, a segurança é sempre um benefício, mas muitas vezes é tratada como 'co-benefício'. Espero viver para ver a segurança sendo apontada como o principal benefício”, afirmou Lindau. Na visão do especialista, melhorar as cidades também depende de melhorar a educação: “O local para dar início a uma transformação são as escolas. Não só para as crianças, mas para todas as gerações, pois lá estão os pais e os avós, há um senso de comunidade".
O presidente da FIA, Jean Todt, encerrou o evento agradecendo a todos os participantes que se engajam na causa da segurança viária pelo mundo. Ele ressaltou que não há uma só pessoa no mundo que não tenha um familiar ou amigo envolvido em um acidente de trânsito e que é preciso enfrentar esse problema com a maior seriedade e enfrentar o tema com ambição. “Estamos muito orgulhosos de pessoas como vocês, que decidiram dedicar o seu trabalho a essa causa. Espero que até a Habitat IV, em 20 anos, a batalha pela segurança viária seja vencida”, disse Todt. A fundação também apresentou um emocionante vídeo dirigido pelo francês Luc Besson, veja abaixo: