Diferentes cidades, um desafio: financiar projetos de desenvolvimento urbano e mobilidade
Diferentes contextos sociais e econômicos, diferentes localizações geográficas, mas um desafio em comum: financiar projetos que aliem desenvolvimento urbano e mobilidade. Cidades ao redor do mundo veem-se frente à necessidade de construir ambientes urbanos mais compactos e conectados, que estimulem a inovação e a sustentabilidade. Ao mesmo tempo, deparam-se com a dificuldade de obter recursos para financiar esses projetos. Na tarde desta quarta-feira (23), o Seminário “Cidades e financiamento: como viabilizar projetos de Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável” endereçou essas questões. O evento, que reuniu cerca de cem pessoas em Brasília, foi realizado pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis, em parceria com a Embaixada Britânica, o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e a Children’s Investment Fund Foundation (CIFF).
“Existe, ainda, uma distância considerável entre projetos urbanos economicamente atrativos e projetos urbanos sustentáveis, que beneficiem a cidade e a qualidade de vida. No WRI Brasil, trabalhamos com o objetivo de reduzir essa distância, auxiliar tecnicamente as cidades brasileiras na qualificação de seus projetos de modo que estes possam trazer as mudanças que tanto as pessoas quanto as cidades precisam”, ponderou a Diretora de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, Nívea Oppermann, ao cumprimentar o público que acompanhou os debates desta tarde.
Nívea Oppermann: é preciso reduzir a distância que separa projetos economicamente atrativos de projetos sustentáveis (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
O zoneamento e a valorização imobiliária em uma cidade são elementos que devem ser revertidos em qualificação para o espaço urbano. Camila Maleronka, Professora e Pesquisadora do Lincoln Institute of Land Policy, deu início aos debates do dia levantando pontos sobre planejamento urbano e gestão fundiária. Conforme a pesquisadora, as cidades devem atentar para a gestão da valorização imobiliária: “Os terrenos em uma cidade não têm valor em si: o valor é dado pelo que pode ou não ser feito neles. Nesse sentido, a gestão da valorização imobiliária é uma oportunidade e uma necessidade. A estratégia de adensamento deve ser ligada à estratégia geral da cidade para que esses processos possam resultar em espaços urbanos melhores para a população”.
O Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS) é um modelo de planejamento que, ao integrar os processos de planejamento da cidade e de transporte, é capaz de criar áreas urbanas mais eficientes. Projetos urbanos concebidos de acordo com os princípios do DOTS têm o potencial de mudar a dinâmica das cidades, criando novas centralidades, reduzindo as necessidades de deslocamentos diários e estimulando o uso do transporte ativo e coletivo.
Fachadas ativas e incentivo ao transporte ativo: princípios do DOTS aplicados em Joinville (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
O financiamento desses projetos, embora não seja igual para todas as cidades e projetos, está atrelado a quatro etapas que gestões municipais devem percorrer para obter recursos: conhecer os fundos existentes, aproveitar oportunidades, equilibrar interesses e desenvolver bons projetos. A primeira discussão da tarde tratou da primeira dessas etapas, e contou com a participação de Juan Pinilla, Consultor do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), David Willecomme, Diretor Adjunto da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e Emanuela Monteiro, Especialista em Desenvolvimento Urbano do Banco Mundial. Eles analisaram o papel desempenhado pelos fundos e bancos de financiamento na implementação de projetos de DOTS ao redor do mundo.
Os bancos de financiamento ocupam uma posição central na disseminação do DOTS e dos benefícios que o modelo traz para as cidades. Entre outras frentes de atuação, têm o potencial de investir em projetos estruturados a partir dos princípios do DOTS, realizar estudos do impacto do DOTS nas cidades e promover programas de cooperação técnica entre governos locais, agências e empresas públicas. “Atualmente, a CAF está focada na reflexão sobre como passar de ações setoriais (medidas considerando apenas transporte, uso do solo ou fiscalização, por exemplo) a ações estratégicas e integradas. É um cenário propício para o DOTS, que hoje é não apenas uma questão de desenho urbano e uso do solo, mas um sistema de gestão e integração do espaço das cidades”, avaliou Pinilla.
Na França, já na década de 1980 surgiram as primeiras reflexões sobre o desenvolvimento orientado ao transporte e como contribuía para as então chamadas “nouvelles villes” (novas cidades), focadas no desenvolvimento sustentável. “Hoje, adotamos uma visão holística para as cidades sustentáveis, abrangendo meio ambiente, inclusão social, transporte e mobilidade, urbanismo, entre outros elementos que devem atuar de forma integrada”, comentou Willecomme.
O especialista acrescentou ainda outro aspecto substancial no que diz respeito ao papel desempenhado pelos bancos de financiamento: o apoio a projetos capazes de uma contribuição incisiva ao desenvolvimento sustentável dos centros urbanos. Para isso, é preciso que as estratégias e projetos de mobilidade das cidades atuem em três frentes: apoio ao crescimento econômico, redução da pobreza e proteção dos bens públicos mundiais. Esse aspecto foi endossado por Emanuela Monteiro, que enfatizou a necessidade de unir mobilidade e desenvolvimento socioecômico nos projetos: “Agendas de transporte e desenvolvimento devem ser estruturadas de forma integrada, visando aumentar as opções de mobilidade urbana sustentável e, assim, o acesso a oportunidades de trabalho, serviços urbanos, áreas de lazer e demais bens oferecidos pelas cidades”.
Cerca de 100 pessoas acompanharam o seminário (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Experiências de financiamento: o DOTS nas cidades
A implementação de projetos DOTS exige das administrações que, primeiro, conheçam os elementos que precisam ser financiados e, em seguida, identifiquem as possíveis fontes de financiamento. No Brasil, particularmente, o cenário econômico exige criatividade – no entanto, como evidenciado pelo primeiro debate do dia, há caminhos possíveis.
A partir das diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), que divide as atribuições entre União, estados e municípios no que tange a mobilidade urbana, cabe ao governo federal prestar assistência financeira na implementação de sistemas estruturantes de transporte, fomentando projetos de grande e média capacidade que devem contemplar os conceitos do DOTS. Foi o que comentou José Roberto Generoso, Secretário Nacional de Transporte e da Mobilidade Urbana, que apresentou um panorama sobre a implementação de projetos no Brasil, abrindo a segunda sessão do dia “Experiências de financiamento de DOTS nas cidades”.
A conversa trouxe três casos de implementação de projetos de transporte e desenvolvimento urbano, abordando os desafios e as soluções encontradas para o financiamento. O primeiro deles veio do México. Gustavo Peltier, Assessor de Projetos de Renovação Urbana da Prefeitura da Cidade do México, falou sobre as Zonas de Desenvolvimento Econômico e Social da capital mexicana, as chamadas ZODES. Cinco já foram estabelecidas na capital mexicana, a partir da reestruturação das áreas onde estão, com o objetivo de criar novas centralidades, promover a conectividade e fomentar o uso dos modos de transporte ativo e coletivo. Conforme explicou Peltiér, uma das formas de financiamento possíveis para as ZODES é o instrumento mexicano equivalente ao que no Brasil conhecemos por CEPAC (Certificado de Potenciais Adicionais de Construção), uma forma de venda de potencial construtivo.
Rua exclusiva para pedestres na Cidade do México: áreas urbanas que priorizam a circulação das pessoas fortalecem a economia local (Foto: Priscila Pacheco/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Em solo brasileiro, o exemplo vem de Canoas. Na cidade localizada a aproximadamente 17 quilômetros de Porto Alegre, o projeto da primeira linha de Aeromóvel será um canal estruturante de desenvolvimento para o município. Financiado pela Caixa Econômica Federal, quando finalizado o sistema terá 18 quilômetros de vias, com 18 veículos e 26 estações. O WRI Brasil Cidades Sustentáveis é parceiro de Canoas e presta apoio técnico ao desenvolvimento do projeto, que conta com intervenções para o entorno da via onde o novo modo será instalado, a fim de impedir a especulação imobiliária, incentivar a densificação na região e fortalecer a economia local. Marcos Bósio, Secretário da Fazenda da Prefeitura de Canoas, ressaltou a importância do processo de planejamento para o sucesso do projeto: “Não adianta sonharmos com coisas impossíveis de serem realizadas na prática. É preciso planejar e conhecer as diferentes variáveis envolvidas nessa implementação”.
Por fim, o Gerente Sênior da Greater London Authority, Neil Hook, trouxe o caso do Crossrail, linha ferroviária atualmente em construção em Londres que conectará o centro à região sudeste da cidade. “O projeto é fundamentado em sete princípios: identidade, clareza, consistência, inclusão, sustentabilidade, segurança e, o mais importante, centrado nas pessoas”, destacou Neil. Entre outros benefícios, a linha aumentará a capacidade do transporte coletivo de Londres, atendendo até 200 milhões de passageiros por ano, além das oportunidades de trabalho e das parcerias com estabelecimentos comerciais e demais instalações no entorno das estações. Em termos de financiamento, o projeto conta com fontes mistas: governo federal, prefeitura de Londres, taxas e impostos às empresas e comércio.
No que diz respeito ao financiamento, a conclusão a que se chega é a de que não há uma receita pronta, passível de ser aplicada em qualquer cidade: cada projeto possui diferentes infraestruturas que requerem financiamento, abrangendo desde o transporte coletivo até as questões de moradia urbana no entorno das estações. As ferramentas, porém, estão disponíveis. Cabe às cidades desenvolverem projetos robustos, sustentáveis, e valer-se dos instrumentos de financiamento existentes. Os investimentos feitos hoje vão direcionar o desenvolvimento dos centros urbanos pelas próximas décadas, e são as cidades que optarem hoje por um modelo sustentável que prosperarão no futuro.