Diego Canales explica como será o futuro guiado por dados nas cidades inteligentes
No ritmo em que ocorre a urbanização atual, tomadas de decisões inteligentes e assertivas são necessárias para transformar as cidades. Teorias servem apenas de base, mas são os dados e as informações que moverão o futuro. O conceito de Cidades Inteligentes tem como pilar o aproveitamento das tecnologias para ajudar a solucionar os problemas dos grandes centros urbanos. Entenda mais sobre o conceito na entrevista com o colaborador em Inovação de Dados e Ferramentas do WRI Ross Centro para Cidades Sustentáveis, Diego Canales, presente no seminário Construction Summit 2016, organizado pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis e pela Associação Brasileira de Tecnologia para Construção e Mineração (Sobratema).
Qual seria a melhor definição de uma “Smart City” (Cidade Inteligente)?
Existem muitas definições de cidade inteligente, mas nenhum consenso universal. Em muitos lugares significa automatização, optimização ou integração de serviços urbanos. O Smart Cities Council, por exemplo, define como aquelas cidades que "utilizam tecnologias de informação e comunicação para melhorar a vivência, a funcionalidade e a sustentabilidade". Poderíamos listar muitas definições, o conceito está em constante evolução. O foco no que conhecemos como Smart Cities 1.0 tem sido, principalmente, em quanta tecnologia as cidades são capazes de absorver. No WRI apoiamos três pilares:
- Centrado em pessoas, que são soluções feitas para serem acessadas por qualquer cidadão independentemente de seu estrato econômico ou demográfico. Integra a população para, em parceria, criar soluções e sistemas que coletem sistematicamente suas necessidades, sugestões e recomendações antes de agir sobre elas.
- Governo como facilitador, que é o poder público criando ecossistemas e ambientes de inovação que facilitem testes de novas tecnologias e considerando regulamentações em questões críticas que permitam a interoperabilidade de plataformas e a padronização de dados.
- Governo inteligente, que é ajudar a criar governos inteligentes que tenham a forte colaboração interinstitucional, o fluxo de informações, o uso de dados, tecnologias e ferramentas para maximizar a eficiência.
Isso é o que viemos chamando de Smart Cities 2.0.
Você pode dar exemplos de cidades inteligentes e de bons usos de tecnologia?
Barcelona é um bom exemplo do uso de tecnologia, tanto hardware como software. Em 2011, a cidade se focou em vários programas de intervenção, e um deles foi o mobiliário urbano inteligente, que implantou luminárias que ligam automaticamente quando detectam a presença de uma pessoa e desligam quando não detectam ninguém. Isso se traduz em uma poupança energética.
Chicago, por outro lado, está se focando no uso de análise de dados e software (de código aberto) para atacar seus problemas. Eles implantaram uma plataforma de análise de dados que permite analisar uma grande quantidade de dados que a cidade não tinha a capacidade anteriormente. Isso permitiu construir modelos para identificar padrões e gerar predições que ajudam a identificar soluções mais precisas. A plataforma foi construída de forma aberta. Um desses projetos foi a criação de um algoritmo que pode antecipar violações sanitárias críticas em restaurantes. Normalmente, o departamento de saúde pública encarregado de fazer a inspeção nos restaurantes fazia sem nenhum critério. Com o projeto, os inspetores conseguiram identificar os lugares com violações críticas com sete dias de antecedência. O modelo foi elaborado no software estatístico R e com código aberto.
Quais são as principais barreiras no processo de construção de cidades inteligentes?
Desconhecimento de três pontos essenciais: Formatos e protocolos abertos e padronizados, dados abertos e interfaces abertas e documentadas e componentes modulares (software). Esses princípios ajudam a evitar que as soluções e tecnologias escolhidas não representem um atraso no futuro próximo, em cinco ou dez anos (ou a duração de um contrato), sendo que a tecnologia é algo que evolui muito rápido.
A outra barreira é saber como colocar dentro de uma agência de governo pessoas que tenham essas capacidades técnicas, qual o tempo para inovar e como escolher as melhoras tecnologias. Nesse aspecto destaco o trabalho da ONG Code for America, que tem representação no Brasil, cuja missão é trabalhar em conjunto com o público para desenvolver um governo mais ágil e criar uma mudança significativa através da tecnologia.
Quais são as principais tendências para o futuro da mobilidade com a inclusão de novas tecnologias?
Nesse contexto vejo duas tendências gerais. Por um lado, os carros autônomos. Ainda que eles provavelmente venham a ser compartilhados e utilizados sob demanda, eles terão um impacto no “car ownership” e muitas pessoas deixarão de ter seu próprio automóvel. Existem vários riscos de que isso não aconteça e a mudança seja unicamente passar a ter um carro próprio autônomo ao invés de um convencional. Para evitar isso, é importante aplicar um forte incentivo para que a transição ocorra no sentido de termos a carros autônomos compartilhados.
A outra tendência será a incorporação de todos os modais de transporte em “pacotes ofertados”. No futuro, as pessoas não pagarão separadamente pelo transporte coletivo, o táxi, e todos os outros modais que estão surgindo (bicicleta compartilhada, ridesourcing, etc.). As pessoas pagarão por um só pacote, cujo custo dependerá da utilização de cada um dos diferentes serviços. Será possível saber quantos quilômetros serão percorridos por automóvel (compartilhado ou sozinho) por mês, quantos quilômetros de transporte público e assim sucessivamente.
Você pode falar um pouco sobre a importância dos dados abertos na relação entre a cidade e a população?
Três aspectos importantes sobre os dados abertos são que eles incentivam a prestação de contas, estimulam a colaboração institucional, ajudando a quebrar barreiras dentro dos governos municipais, e incitam empreendedorismo e inovação, juntamente com a criação de novos modelos de negócios e serviços. Pode não parecer de primeira instância, mas uma política de dados abertos à comunidade consegue fazer uma cidade mais inteligente. São Paulo é um exemplo. De 2009 a 2013, a única forma de informações sobre o transporte público era através do Google (melhores rotas e itinerários) e das informações em tempo real do ônibus (através do portal Olho Vivo). Nesses anos, havia uma parceria direta só com o Google e o portal Olho Vivo era o único canal com permissão para transmitir as informações dos ônibus em tempo real. Depois de 2013, entraram no mercado aplicativos como Moovit, Citymapper e outros aplicativos locais, como Trafi e Cadê o Ônibus. Mas esses foram produtos que surgiram depois que São Paulo abriu seus dados para que desenvolvedores os pudessem utilizar, tanto os dados estáticos como os dinâmicos.
O Rio de Janeiro é outro exemplo de cidade que tem essa política. O ideal é que a agência de transporte público coloque o foco na qualidade dos dados e os disponibilize em formato padrão (como GTFS ou GTFS-RT), e que o mercado possa competir para produzir o melhor app. Não faz sentido que uma agência de transporte público gaste dinheiro público para produzir um app quando a sua essência é transporte público e não produção de software/apps. Por outro lado, os usuários não querem ter um app de transporte para cada cidade que visitam, querem um ou dois apps que saibam que podem utilizar em diversas cidades. Essa é uma das razões do êxito do Google Maps.
Mas o preceito de dados abertos não só recai na utilização dos dados, mas ainda na reutilização. Isso significa que a população está contribuindo na melhora desses dados, seja através da curadoria, do processamento ou da melhora de sua acessibilidade. Essa ação cria e incentiva uma participação ativa e mantida pela população. Em outras palavras, cria um hábito de participação cidadã, mas também uma mudança de cultura interna no setor público e de prestação de contas.