Da teoria à prática: mobilidade corporativa é debatida em evento no Rio de Janeiro
Com o crescimento do tráfego de veículos nas grandes cidades, o desafio de encontrar soluções recai sobre o poder público, que busca nos investimentos em transporte coletivo e qualificação da infraestrutura melhorar a mobilidade e diminuir a perda econômica gerada por esse tipo de problema. No entanto, não se deve apenas focar na oferta de serviços, mas também em como gerir a demanda por transporte. O fato de que, no Brasil, 50% dos deslocamentos diários têm como motivo o trabalho deixa claro que as organizações públicas e privadas também precisam tomar para si parte da responsabilidade pela busca da qualidade do transporte urbano. Para ações de mobilidade corporativa se tornarem comuns no Brasil, é necessário difundir o conhecimento técnico entre as empresas, a fim de que conheçam as ferramentas disponíveis e se inspirem. Foi isso que o evento “Mobilidade urbana: desafios, soluções e benefícios para sua empresa”, promovido pela Comissão de Sustentabilidade da Câmara de Comércio França-Brasil do Rio de Janeiro (CCFB-RJ) em parceria com o WRI Brasil Cidades Sustentáveis, buscou promover.
O encontro desta terça-feira (4) foi o primeiro realizado pela Comissão de Sustentabilidade da CCFB-RJ, criada em 2016 para unir representantes de diferentes empresas envolvidas com temas de sustentabilidade. O primeiro painel Perspectivas da mobilidade urbana: o papel do setor corporativo foi mediado pelo coordenador da Comissão e gerente-geral de representação de proprietários da Cushman&Wakefield, Thierry Botto. O evento ocorreu no Rio de Janeiro, cidade que, de acordo com levantamento da empresa TomTom, é a quarta cidade do ranking mundial em tempo gasto em vias congestionadas e a pior do Brasil. De acordo com pesquisa divulgada em agosto pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), o tempo perdido pelos trabalhadores da Região Metropolitana do Rio de Janeiro no trajeto casa-trabalho-casa gera um prejuízo de 24,3 bilhões de reais. "O excesso de tempo no trânsito trás consequências graves para a saúde do trabalhador e para a economia. Entre 30 minutos e uma hora de deslocamento, a redução de produtividade é de 14%. Com mais de uma hora e meia de viagem, a perda é de 21%. O tempo gasto, em média, de deslocamento do trabalhador da Região Metropolitana do Rio de Janeiro é de 141 minutos", afirmou o Gerente de Estudos de Infraestrutura do Sistema Firjan, Riley Rodrigues. "Nós, como geradores de emprego, somos geradores de tráfego, somos geradores de complicações para os trabalhadores. Mobilidade urbana no setor corporativo é muito importante, é essencial, e deve ser pensada pelo tipo de atividade, o tipo de empresa e o perfil do trabalhador", concluiu.
(Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
O Diretor Comercial da Alstom, Eric Farcette, apresentou dois projetos-chave realizados pela empresa no contexto dos Jogos Olímpicos realizados no Rio de Janeiro. A Alstom é a empresa responsável pela fabricação dos trens e a instalação dos sistemas de energia e sinalização do sistema de Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), inaugurado em junho no Rio de Janeiro. O VLT Carioca atualmente liga o Aeroporto Santos Dumont à Rodoviária Novo Rio e conta com 16 paradas para embarque e desembarque de passageiros. Além do VLT, também foi inaugurada a Linha 4 do metrô da cidade, que liga a Barra da Tijuca ao Centro. "Os dois projetos são de impacto imediato muito forte para os cariocas. Um dia, um morador da Barra da Tijuca acordou e se deu conta que, ao invés de levar 2 horas para chegar ao Centro do Rio de Janeiro, ele podia levar 34 minutos", exaltou. Segundo ele, projetos assim provocam uma reorganização da sociedade, pois a infraestrutura molda a organização das pessoas.
Um assunto ainda em estruturação no Brasil, os Green Bonds, títulos de dívida destinados ao financiamento de projetos sustentáveis, foi trazido pelo Coordenador da Câmara Temática de Mobilidade Sustentável do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Luan Santos. Para viabilizar projetos que facilitem o trânsito nas cidades e a mobilidade corporativa, os chamados títulos verdes podem ser a resposta, segundo ele. "A área de financiamento sustentável do CEBDS trabalha hoje com os Green Bonds, que é uma possibilidade que ainda está sendo estudada no país, mas que é uma realidade para os próximos anos", explicou. A entidade irá lançar em breve o “Guia para Emissão de Títulos Verdes no Brasil”, documento de caráter recomendatório que indica particularidades desse mercado no Brasil. De acordo com uma pesquisa do Climate Bonds Initiative, entre as possibilidades de investimentos e oportunidades trazidas pelos Green Bonds, 66,8% são pertinentes ao transporte. "Esse é um novo instrumento financeiro, uma nova forma de pensar oportunidades para a mobilidade urbana", afirmou Santos.
O Especialista de Mobilidade Urbana do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, Guillermo Petzhold, apresentou a publicação Passo a Passo para a Construção de um Plano de Mobilidade Corporativa, desenvolvida pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis. O documento traz orientações e diretrizes que objetivam estimular uma ação coordenada e conjunta entre gestores e funcionários. Segundo o guia, dependendo da estratégia adotada, planos de mobilidade corporativa têm o potencial de reduzir entre 10 e 24% o número de viagens de automóvel com um único ocupante. "Se as políticas a nível nacional determinam que cidades com mais de 20 mil habitantes façam Planos de Mobilidade Urbana, por que as empresas, que concentram muitos postos de trabalho, também não podem adotar a mesma prática", sugeriu Guillermo.
Da esquerda para a direita: Flávio Presezniak, Gerente de Assuntos Governamentais da Nissan, André Saúde, Diretor de Inovação do aplicativo Leva Eu, Gustavo Gracitelli, criador do Bynd, Fábia Barbieri, uma das criadoras do Bora Bike e Guillermo Petzhold, Especialista de Mobilidade Urbana do WRI Brasil Cidades Sustentáveis (Foto: Paula Tanscheit/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
As ferramentas para a mobilidade corporativa
Para ver na prática como as empresas podem contar com a tecnologia para melhorar os deslocamentos de seus funcionários, o tema do segundo painel foi Soluções de mobilidade urbana no âmbito corporativo. "Quanto mais você pedala, mais você ganha". Esse é o slogan do programa Bora Bike, criado pelo casal Fábia Barbieri e Marcelo Pena Costa, que propõe trocar prêmios e benefícios por quilômetro pedalado. A ideia foi colocada em prática na própria agência comandada pelo casal, a Señores, com sede em São Paulo. Ao invés de pagar uma vaga na garagem, o casal passou a oferecer bicicletas elétricas aos seus funcionários e, aos poucos, o projeto foi crescendo e expandindo. "Estamos agora entrando numa nova fase, onde vamos abrir para o comércio também colocar incentivos para os colaboradores. Assim não fica a cargo da empresa incentivar só seus funcionários, mas se a sua empresa é uma marca você pode instigar também os seus clientes a irem de bicicleta", explicou Fábia.
A ideia é extremamente relevante visto que, segundo um estudo do Transportation Research Board 2016, a oferta de estacionamento está diretamente ligada ao aumento do uso do carro. "A bicicleta é uma realidade na periferia. Quando trazemos a bicicleta como meio de transporte para os grandes meios urbanos, trazemos a base da pirâmide para o topo. Quando trazemos a bicicleta para os centros das cidades, a gente trás o topo da pirâmide para baixo. Bicicletários juntam grandes executivos com os assistentes de cozinha", destacou Fábia.
A plataforma Bynd trás um cálculo surpreendente: cada uma hora gasta no trânsito por dia representa um ano, dois meses e nove dias de vida desperdiçados dentro do carro. No Brasil, um número muito grande de carros nas vias estão ocupados por apenas uma pessoa, enquanto poderiam transportar pelo menos cinco pessoas. Essa é a realidade que a Bynd tenta mudar. O aplicativo, criado e apresentado por Gustavo Gracitelli no evento, procura estimular a "carona corporativa". O objetivo é unir os funcionários de uma mesma organização com trajetos similares para dividir o carro. A empresa precisa se cadastrar no serviço para que os funcionários também possam se conectar. A Bynd, então, descobre as similaridades entre trajetos e horários e aponta potenciais rotas de carona entre o grupo.
O Leva Eu é outra iniciativa semelhante, que propõe diminuir o número de automóveis nas ruas fazendo o mesmo trajeto. André Saúde, Diretor de Inovação do aplicativo Leva Eu, afirmou que as empresas hoje em dia ainda contratam transporte coletivo privado de acordo com o transportador: "Não é o contratante que define necessariamente as linhas, os veículos, pontos de parada e etc. Isso gera uma ineficiência e um custo mais alto. O Leva Eu é um sistema de gestão de demandas de viagens que inclui a demanda do transporte contínuo, que é a ida e a volta do trabalho". Flávio Presezniak, Gerente de Assuntos Governamentais da Nissan, apresentou ainda os dois conceitos principais da empresa, o de zero emissões, possibilitado pelos carros elétricos, e zero fatalidades, possibilitado pelos carros autônomos.
Na prática
Os benefícios de programas de mobilidade corporativa para uma cidade são diversos e atingem toda a população. O terceiro painel do evento Mobilidade urbana: desafios, soluções e benefícios para sua empresa mostrou como três iniciativas foram implementadas e como muito mais pode ser feito. Rodrigo Santiago, responsável pelas Relações Institucionais da fornecedora de pneus Michelin, falou do programa Michelin Best Driver, um estudo que traça o perfil de condução dos participantes através do monitoramento dos pneus do automóvel. A iniciativa procura engajar o público jovem, como alunos de universidades brasileiras, por exemplo, na conscientização da importância da direção segura. Utilizando a telemetria, um aparelho mede o desempenho de cada participante ao volante em relação a curvas, frenagens, aceleração e velocidade, durante um período de 20 dias. "O programa nos fez pensar e nos trouxe a vontade de contribuir para a mudança de comportamento dos jovens. A partir disso decidimos atuar nas empresas, para atuar em frotas corporativas", contou Santiago.
A estruturação e desenvolvimento da nova sede do Mercado Livre, em Osasco, foi o case apresentado pela Analista de Comunicação Interna, Cultura, Clima e Sustentabilidade, Janaina Wichmann. A "Melicidade" (Mercado Livre Cidade), como é chamada a nova sede, custou 105 milhões de reais e hoje tem a capacidade para 2 mil pessoas em 33 mil metros quadrados. Segundo Janaína, todo o projeto foi feito com base em três eixos norteadores: encantar talentos, aproximar parceiros e clientes e promover a sustentabilidade.
Antes localizada em Santana do Parnaíba, a mudança para Osasco reduziu em média 32 quilômetros ida/volta dos funcionários. A localização foi pensada após um estudo e um mapeamento dos deslocamentos dos funcionários da época. Hoje, a empresa incentiva a mobilidade corporativa dos funcionários ao disponibilizar bicicletário e vestiários, ao implementar um rodízio de estacionamento, permitir home office e horários flexíveis e também com o uso do aplicativo Bynd para caronas. Em seis meses de uso do Bynd, o Mercado Livre já registrou 464 caronas, 148 carros a menos, 1345 horas de networking geradas e 1,6 toneladas de CO2 a menos na atmosfera. A empresa também faz trabalhos de reciclagem e é hoje o segundo maior espaço privado em termos de uso de energia solar no país.
A Gerente de Governança Urbana do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, Daniely Votto, apresentou o projeto Conexões Rio-Pinheiros, uma rede de cooperação entre lideranças empresariais, instituições de pesquisa, gestores públicos e representantes da sociedade civil organizada da região do Rio Pinheiros em São Paulo. As atividades da plataforma dividem-se em duas frentes: mobilidade urbana e mobilidade corporativa. A iniciativa realiza debates entre setor privado, setor público e sociedade civil, e busca diferentes maneiras de disseminar a cultura da mobilidade urbana sustentável. "Nosso objetivo para o futuro é gerar impactos positivos na mobilidade e sustentabilidade da cidade de São Paulo. A partir da região do Rio Pinheiros, queremos ir além. Queremos através das políticas de mobilidade corporativa avançar cada vez mais para a cidade ser um lugar mais agradável", destacou Daniely.
A Diretora da CCFB, Emmanuelle Boudier, encerrou o evento com a sugestão do estabelecimento de uma conexão também no Rio de Janeiro com o apoio da entidade. "Podemos pensar em um eixo Centro-Barra, enfim, ideias não faltam. Seria uma iniciativa para tomarmos juntos como missão", exaltou.