Curitiba debate opções de desenho urbano para aprimorar a Área Calma implantada na região central
Com um parágrafo inteiro dedicado ao assunto na Nova Agenda Urbana, assinada em outubro por 167 países na Habitat III, no Equador, a segurança viária ganhou ainda mais relevância para as cidades. Os centros urbanos do futuro precisam ser desenhados para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes e, em muitos casos no Brasil, será necessária uma mudança de paradigma para corrigir hábitos do passado, principalmente o de dedicar a maior parte do espaço viário aos veículos.
Mesmo cidades que conseguiram construir um sistema de transporte coletivo de qualidade, como é o caso de Curitiba, ainda podem aprimorar a distribuição dos espaços, priorizando os mais vulneráveis no trânsito, que são os pedestres e ciclistas. Técnicos da capital paranaense tiveram a oportunidade de discutir diretrizes de projeto capazes de contribuir para tornar a cidade mais segura durante um workshop realizado nesta quarta-feira (09) pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis em parceria com a Prefeitura de Curitiba, com apoio estratégico do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP, na sigla em inglês), da Fia Foundation, do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e apoio do Instituto de Engenharia do Paraná (IEP).
O Brasil gasta R$ 16 bilhões por ano com acidentes de trânsito. No intuito de reverter essa situação, o país é um dos signatários da Década de Ação pela Segurança no Trânsito, lançada em 2011, e que até 2020 tem a meta de salvar cinco milhões de vidas. Uma das formas de chegar a esse objetivo é a construção de infraestruturas seguras para as pessoas, assim como áreas de baixa velocidade e a priorização de modos ativos de transporte. O planejamento das cidades tem relação direta com o deslocamento dos cidadãos e os possíveis conflitos que podem ocorrer nos espaços urbanos.
O transporte coletivo é uma escolha de muitos curitibanos: por dia, são mais de 1,6 milhão de passageiros transportados em mais de 250 linhas. Mas a cidade também enfrenta o problema crônico do crescimento contínuo da frota de automóveis e segue com o título de capital mais motorizada do país, com 1,3 milhão de carros para 1,8 milhão de habitantes. Medidas de desenho urbano poderiam melhorar ainda mais a qualidade dos passeios na cidade e dar maior segurança ao deslocamento de pedestres e ciclistas.
Diversas recomendações para aprimorar essa relação entre os modos de transporte estão presentes no guia O Desenho de Cidades Seguras, publicado pelo WRI. A publicação fornece aos gestores e projetistas um compilado de orientações e exemplos de intervenções no desenho viário que ajudam a reduzir os acidentes e as mortes no trânsito (veja seis princípios apresentados pelo guia). Marta Obelheiro, Coordenadora de Segurança Viária do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, apresentou alguns dos conceitos que poderiam ajudar a cidade de Curitiba. “Entre os pilares para uma visão de cidades mais segura está a melhoria do transporte coletivo, estímulo à caminhada e à bicicleta e a integração de uso do solo com o transporte. É preciso alterar a forma como as pessoas interagem com a infraestrutura. Há vias que estimulam uma maior velocidade e outras uma redução dela. Não adianta ter uma grande avenida e uma placa de 30km/h”, explicou Marta. Também participaram da atividade Paula Santos Rocha, Coordenadora de Mobilidade Urbana e Acessibilidade do WRI Brasil Cidades Sustentáveis e Ariadne Samios, Analista de Desenvolvimento Urbano.
Em novembro de 2015, Curitiba lançou uma zona de baixa velocidade na região central da cidade, em que a velocidade máxima para veículos é de 40 km/h. Batizada de Área Calma, para que se pense no espaço além da redução de velocidade, a proposta também incluiu ações como plantio de árvores e intervenções em vagas de estacionamento para humanizar o trânsito. Uma das propostas do workshop era justamente debater propostas para avançar ainda mais nessas intervenções.
Outras cidades dão o exemplo
A implementação da primeira área de velocidade reduzida de Curitiba tem cerca de um ano. São Paulo, que começou dois anos antes, tem as chamadas Áreas 40 já estabelecidas em diversas partes da cidade, algumas inclusive evoluindo para intervenções de desenho urbano complementares. A capital paulista decidiu trabalhar em três fases, segundo explicou Sandra Lopes, Gestora de Trânsito da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET/SP): a primeira de implementação, a segunda de aprimoramento do desenho urbano e a terceira de redução das velocidades para 30km/h. São Miguel Paulista, na periferia da cidade, é um exemplo desta segunda fase.
Sandra Lopes, Gestora de Trânsito da Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET/SP), contou a experiência da cidade com as Áreas 40 (Foto: Rodrigo Torrezan)
São Paulo iniciou essas intervenções pelo Centro, em função da alta concentração de pedestres, muitos deles turistas ou pessoas que não conhecem bem a área. Segundo Sandra, os mesmos motivos fizeram com que a região tivesse um papel importante na divulgação das medidas. “Se não cuidarmos da segurança viária, futuramente o custo é muito superior. Além do custo social que isso representa, a desestruturação de uma família quando alguém morre, entre outras coisas, diminuir os acidentes ajuda a desafogar o sistema público de saúde. É melhor investir na prevenção do que na cura”, afirmou Sandra.
Os resultados começam a aparecer em números. De acordo com a CET, com a redução para 40 km/h em vias do centro da cidade, a redução do número de mortes em acidentes de trânsito e atropelamentos foi de 71%. Entre agosto de 2012 e setembro de 2013, foram registrados na região 167 acidentes, com 7 mortes. Já entre novembro de 2013 e dezembro de 2014, período posterior à implementação, foram 136 acidentes, com 2 mortes. A redução do número de acidentes foi de 18,5%.
Belo Horizonte também tem um histórico positivo na adoção de medidas capazes de humanizar o trânsito. Foi a primeira capital brasileira a elaborar seu Plano de Mobilidade e já reconhece a importância do desenho seguro das vias. Eveline Trevisan, Superintendente de Desenvolvimento de Projetos e Educação da Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans), fez uma apresentação sobre o Pedala BH, programa do qual é coordenadora, que trouxe grandes ensinamentos para a prefeitura da capital mineira. Quando a primeira leva de investimentos em ciclovias começou a ser realizada, esperava-se que as críticas viessem de motoristas, mas muitos ciclistas também ficaram insatisfeitos. A partir disso, Belo Horizonte montou um grupo de trabalho com a participação de coletivos organizados de ciclistas e passou a promover uma maior participação da sociedade nas decisões.
Eveline Trevisan contou como a experiência com o Pedala BH trouxe ensinamentos à cidade (Foto: Rodrigo Torrezan)
Eveline também falou dos resultados da troca de experiências com a cidade Bremen, na Alemanha, resultado do projeto SOLUTIONS. Belo Horizonte trouxe a ideia das ciclorruas – vias com prioridade para bicicletas, em que carros e motos são apenas permitidos – cujo projeto está sendo finalizado. Também está redesenhando vias nas Zonas 30, com uso de sinalização horizontal, vertical e mobiliário urbano de baixo custo. Eveline lembrou da oficina realizada em agosto sobre o mesmo tema. “A oficina foi uma experiência fantástica. Fez com que a gente repensasse algumas interseções e tivemos ideias inovadoras de desenho urbano. Além disso, os técnicos se sentiram muito valorizados. Os resultados das propostas estão sendo testados e depois de adaptações deverão ser implementados”, contou Eveline.
Mão na massa
Técnicos debateram propostas para a Área Calma (Foto: Rodrigo Torrezan)
Para pensar em como aprimorar o desenho da sua Área Calma, técnicos da Urbanização de Curitiba S/A (URBS), da Secretaria Municipal de Trânsito de Curitiba (Setran) e do Instituto de Pesquisa Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) se dividiram em grupos. Com as experiências trocadas durante todo o dia de workshop e consultas ao guia O Desenho de Cidades Seguras, eles propuseram soluções para esta região central de Curitiba. Um dos grupos, por exemplo, sugeriu a elevação das calçadas com tráfego compartilhado no Largo da Ordem, região tradicional da cidade, que reúne bares e restaurantes e uma grande movimentação de pessoas na feira de domingo. Em uma zona com duas escolas, foi proposta a implantação de cruzamentos elevados, para dar maior segurança aos estudantes. Também entraram nas discussões temas como a pedestrianização da Rua José Loureiro, uma ligação da infraestrutura cicloviária em toda a região central, alargamento das calçadas e uma alternativa melhor de circulação na Rua Voluntários da Pátria, entre outras medidas.
Além dos técnicos de Curitiba, participaram representantes da prefeitura de Recife e da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). Nazareno Sposito Neto Stanislau Affonso, que representa a ANTP e também é Diretor Nacional Executivo do Movimento Nacional Pelo Direito ao Transporte (MDT), ressaltou a importância desse tipo de movimento por mais segurança, baixas velocidades e recuperação do espaço viário pelas pessoas e pelo transporte coletivo. Arnaldo Umbelino de Santana Júnior, Gerente de Projetos do Instituto Pelópidas Silveira, compartilhou a experiência no bairro do Recife, região histórica da capital pernambucana, com a implementação de uma área de baixa velocidade.
Maurício Razera, Diretor do Departamento de Engenharia da Setran, disse que esse tipo de atividade pode contribuir com projetos futuros para a Área Calma de Curitiba. Segundo ele, o projeto foi implementado mas ainda pode e deve ser aprimorado: "Descobrimos vários exemplos positivos pelo mundo durante a manhã e, no trabalho em grupo sobre o nosso caso, durante a tarde, foi possível perceber que muitas das nossas ideias estavam alinhadas. Com certeza essas ideias podem ser melhoradas para se tornarem realidade no futuro".