Cooperação é chave para enfrentar queda de usuários do transporte coletivo
O número de pessoas que utilizam o transporte coletivo no Brasil vem caindo significativamente nos últimos anos. Especialistas destacam a complexidade desse fenômeno, que não encontra explicações simples. Cada cidade tem as suas individualidades, por isso é praticamente impossível que apenas uma solução sirva para todas.
Frente a esse cenário, fica ainda mais evidente a necessidade de mais qualidade e modernização antes que o sistema entre em colapso. O transporte coletivo, em grande parte realizado por ônibus no país, não pode ficar estagnado no modelo que já deu certo; o momento exige criatividade, melhor gestão, novas formas de financiamento, tecnologias menos poluentes, entre outras transformações.
Ao menos há entre os diversos atores do setor uma concordância sobre a existência do problema e um esforço pelo diálogo. Foi o que demonstraram os convidados da mesa "Como qualificar o transporte coletivo e atrair novas fontes de recursos", realizada na Sala Temática Desafios da Mobilidade Urbana, organizada pelo WRI Brasil no IV Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável (IV EMDS).
Participaram do debate moderado por Luis Antonio Lindau, diretor do programa de Cidades do WRI Brasil, o diretor administrativo e institucional da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), Marcos Bicalho; o secretário de Transportes de São Paulo, Sérgio Avelleda; a diretora de Mobilidade Urbana da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), Richele Cabral Gonçalves; a superintendente da ANPTrilhos, Roberta Marchesi; a gerente de clientes e negócios da Gerência Nacional de Negócios de Infraestrutura Urbana e Saneamento da Caixa, Marina Carvalho e o presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), Ailton Brasiliense.
Diante de um cenário em que a operação se encontra no limite, com queda em média de 10% na demanda de passageiros em todo o país, os diversos atores buscam alternativas para o custeio do serviço. Entre as ideias que surgem como esperança para solucionar a equação está a proposta da Cide Urbana, em que os usuários de transporte motorizado, especialmente o individual, pagariam uma taxa destinada ao transporte coletivo. Bicalho trouxe contas feitas ainda superficialmente que indicam que uma alíquota de 6% sobre o preço dos combustíveis representaria uma arrecadação de 30% dos custos de operação do setor. "Essa é uma saída definitiva? Eu acho que não. É uma das soluções que precisa vir acompanhada de medidas efetivas de priorização do transporte público no sistema viário, pois está aí a fonte principal da melhoria de qualidade. Tem que vir acompanhada de melhorias na infraestrutura de forma que a gente possa aliar a diminuição de preço do serviço a uma melhoria da qualidade, para termos uma solução que realmente atenda aos anseios da sociedade", destacou Bicalho.
Debate abordou desafios para o financiamento do transporte coletivo no Brasil (foto: Mariana Gil/WRI Brasil)
Outro desafio que se impõe diante das dificuldades financeiras do setor de transporte coletivo é melhorar a eficiência dos sistemas de transporte pelo país. São Paulo, por exemplo, tem a maior rede de ônibus do mundo, que custa cerca de R$ 8 bilhões anualmente, e ainda sofre com muitas linhas de baixa produtividade. Também não há nenhuma comunicação entre os serviços de transportes dos municípios da região metropolitana da cidade, gerando sobreposições e desperdício de recursos. "Essa é uma situação comum pelo país, que demonstra a necessidade de uma gestão metropolitana do transporte", destacou Avelleda. "Na região metropolitana de São Paulo somos 39 municípios mais o estado. São 39 autoridades de transporte planejando suas linhas municipais, cada qual conversando consigo mesma para planejar suas linhas. É evidente que há uma ineficiência brutal nessa incapacidade que temos de institucionalizar uma autoridade, um órgão que possa pensar isso em conjunto, na gestão do transporte público das regiões metropolitanas", completa.
Estabelecer um modelo de autoridade metropolitana para o transporte foi uma das pautas principais estabelecidas no Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana da ANTP, realizado nesta quarta-feira durante o EMDS, de acordo com o secretário. Citando o exemplo de Madri, que reduziu 30% dos custos ao gerir o transporte metropolitano, ele lembrou que, sem atacar essas ineficiências e fazer a lição de casa, "teremos pouco apoio da sociedade para obtermos mais tributação para financiar o transporte público".
A importância de um transporte integrado, com a participação dos diversos modos, também foi tema de debate. Roberta destacou que atualmente muitos sistemas concorrem entre si, com linhas sobrepostas. "O tempo é o bem maior para o usuário. O cidadão acaba escolhendo a opção que lhe dá mais tempo. Pensar a estrutura de transporte urbano utilizando todos os modos é um ganho de segurança para que cada sistema dê o seu melhor para a cidade e garanta a sustentabilidade financeira dos sistemas", lembrou Roberta.
Essa integração já tem alguma representação no Rio de Janeiro. A cidade implementou linhas de Bus Rapid Transit (BRT), Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), além da nova linha de metrô. Porém, de acordo com Richele, houve uma queda no número de usuários acima da média nacional na cidade, chegando a 14% na região metropolitana e até 19% nas linhas alimentadoras da região central da capital carioca. "O BRT do Rio de Janeiro também sofre com a perda de demanda, além de ter uma tarifa média muito baixa. Hoje, as pessoas no Rio de Janeiro podem fazer duas viagens sem pagar tarifa, e no caso do BRT são três, pois tem a linha alimentadora, a troncal, e ainda é possível pegar outro ônibus com a mesma tarifa. A tarifa média está em R$ 2,26. Além disso, há um descumprimento de contrato. É um somatório de coisas que vem trazendo problemas. Mas o BRT precisa continuar para a sustentabilidade do transporte", explicou Richele.
Ailton Brasiliense, da ANTP, destacou a relevância de aliar o planejamento de transportes com o desenvolvimento urbano. Ele também lembrou que grande parte da urbanização e desenvolvimento que ainda ocorrerão no país se dará nas cidades médias, as quais ainda tem tempo de planejar melhor esse crescimento, com corredores de alta qualidade e espaço viário dedicado ao transporte coletivo. "Acreditem no Plano Diretor, acreditem que vocês mandam na sua cidade. Se vocês não fizerem isso, os empresários vão fazer", ressaltou Brasiliense.
Durante as perguntas, Avelleda também falou sobre a licitação do transporte coletivo de São Paulo, que deve ser anunciada nas próximas semanas. Entre os indicadores previstos para constar nos contratos está a segurança, segundo o secretário. Após a mesa de debates, também foram apresentadas soluções inovadoras de transporte.
As atividades do WRI Brasil no EMDS são apoiadas por: CIFF (Children's Investment Fund Foundation), Stephen M. Ross Philanthropies, ICS (Instituto Clima e Sociedade), Fedex Express, Arconic Foundation, BMZ (Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha), GIZ, Citi Foundation, Centro de Excelência ALC-BRT e UNEP.