Como Glasgow se transformou na cidade mais inteligente do planeta
Tudo começou com uma ideia sobre como seria possível diminuir o crime, melhorar o uso de energia e o transporte da cidade. Glasgow sabia aonde queria chegar e deu início a um plano para alcançar essa cidade dos sonhos e do futuro. Foi assim que a quarta maior cidade britânica derrotou até Londres e levou o prêmio de £24 milhões para se transformar em uma cidade mais inteligente, com a meta ambiciosa de reduzir 30% do gasto de energia até 2020.
Com esse recurso, a cidade investiu em uma estrutura física composta por câmeras e cabos de transmissão e no desenvolvimento de conhecimento, com a criação do Centro de Operações e do Centro de Inovação e Tecnologia. O Centro de Operações recebe e analisa dados de 800 semáforos, 500 câmeras que transmitem imagens de espaços públicos e mais de 1000 câmeras instaladas em prédios. Com essas informações, é possível diminuir a criminalidade e o vandalismo, garantir o cumprimento da lei e melhorar a fluidez do trânsito.
Mas a inteligência da cidade vai muito além das câmeras. De acordo com os técnicos, a principal análise não vem das máquinas, mas das pessoas que trabalham todos os dias, olhando e aprendendo o que fazer com as diversas situações e escolhendo qual é a melhor decisão a tomar. “Este é um trabalho conjunto entre máquinas e pessoas. O grande legado deste programa foi o conhecimento que a gente conseguiu desenvolver para melhorar a vida nas cidades”, comenta Gary Walker, gerente do programa Glasgow, Cidade do Futuro. “Os dados e as análises são muito importantes para apontar aonde nós gestores estamos falhando na entrega dos serviços para a população”, explica Robert Davidson, do Glasgow City Council.
Gary Walker, diretor do programa Glasgow, a cidade do futuro (Foto: Caroline Donatti/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Iluminação inteligente
Diminuir o consumo de energia, o maior gerador de emissões de gases estufa na cidade, foi também um dos motivos que levou Glasgow a faturar o prêmio. As luzes da cidade são responsáveis por um gasto energético que equivale a 25% das emissões. Foi por isso que Glasgow substituiu todas as suas lâmpadas de iluminação pública por LED e desenvolveu um sistema de iluminação inteligente composto por lâmpadas com sensores que definem a quantidade de luz necessária dependendo da claridade local e da circulação de pessoas, reduzindo drasticamente o consumo de energia.
“As coisas que me chamaram mais a atenção hoje foram a visão e a estratégia da cidade para o futuro e a implementação de iluminação eficiente sob a ótica de uma gestão mais inteligente. A infraestrutura física permite expandir a captura de outras informações no futuro a um custo bastante acessível” diz João Domingos, presidente do Instituto Pelópidas Silveira, de Recife. O sistema de iluminação montada em Glasgow forma uma rede wi-fi disponível ao cidadãos e que pode enviar diversas informações adicionais ao Centro de Operações, já que atualmente ele opera com apenas 20% da sua capacidade.
João Domingos, presidente do Instituto Pelópidas Silveira (Foto: Caroline Donatti/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
A cidade também promoveu quatro hackathons de 72 horas para incentivar pequenos empreendedores, estudantes e idealizadores a juntarem esforços e pensar como a tecnologia poderia ajudar a reduzir o uso de energia da cidade, a partir dos dados já existentes. Uma forma de atrair novos parceiros e envolver os cidadãos na busca por soluções.
Parcerias são o segredo do sucesso
A decisão de transformar Glasgow em uma cidade inteligente partiu da liderança política da cidade, que se comprometeu a desenhar e pôr em prática ideias inovadoras que precisariam ser desenvolvidas do zero. Para não se perder de seu objetivo principal, o governo contou com uma forte estrutura de gestão para tomada de decisão, que era composta por parceiros empresariais, da academia e a comunidade. As inúmeras conquistas da cidade foram possíveis devido às parcerias e a uma boa relação entre todos. “Nem todos os dados são abertos e nós respeitamos as empresas que não querem abrir suas informações para a concorrência. Mas eles nos dão permissão para acessar os dados e usá-los para melhorar os serviços da cidade”, ressalta Gary.
O Centro de Operação de Glasgow fica no Eastgate Centre (Foto: Caroline Donatti/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
A parte mais difícil do projeto foi a de convencer os parceiros a disponibilizar os dados. A percepção de que isso poderia ser uma boa ideia só veio quando os próprios empresários a entenderam que os dados ajudariam a entender como as pessoas consomem ou se locomovem na cidade quando acontece um grande evento, por exemplo. “Quando eles perceberam qual seria o impacto destas informações nos serviços e no comércio da cidade, os comerciantes, por exemplo, começaram a se engajar”, afirma Gary.
Além dos empresários, os gestores da cidade também tiveram que enfrentar barreiras dos próprios funcionários. “Quando começamos, tudo o que tínhamos ficava no porão de um prédio. A partir do momento que começamos a ampliar a base de dados, e organizar as informações, as coisas tomaram uma proporção estratosférica e nem todos os funcionários gostaram dos novos problemas gerados. As pessoas não querem mudar, elas não gostam da mudança”, completa Andrew Torrance, gerente do Trafficom, sistema de tráfego e comunicação de Glasgow.
Andrew Torrance, gerente do Trafficom (Foto: Caroline Donatti/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Gary aproveita a oportunidade e dá um conselho às cidades brasileiras: “Discutam sempre o projeto e todas as iniciativas com os cidadãos. O que a população pensa e quer deve ser considerado, a população deve ser parceira dessa ideia para que ela dê certo”. Como próximo passo do projeto, Glasgow pretende se tornar um polo de inteligência urbana que visa captar recursos e ajudar outras sete cidades a melhorarem seus processos de gestão de serviços através da análise de dados. Todas elas irão trabalhar de forma colaborativa com dados abertos, central de dados compartilhados e ofertas de capacitação técnica, a partir de uma iniciativa do governo federal da Escócia. “A ideia do networking entre cidades é muito importante para troca de experiências e informações. A estrutura formal e legal montada por Glasgow para se tornar uma cidade mais inteligente também é um exemplo a ser seguido pelas cidades brasileiras”, comenta o secretário nacional de ´Planejamento Urbano do Ministério das Cidades, Eleoterio Codato.
Como lidar com o futuro em um mundo cada vez mais dinâmico
A grande quantidade de mudanças sociais, culturais e tecnológicas impõe às cidades o planejamento de cenários mais adaptativos que considerem as incertezas do futuro. Hoje, é difícil prever o que vai acontecer nos próximos anos e como as pessoas irão reagir a essas novas tecnologias e informações. “Sabemos que precisamos de mais capacidade no sistema de transporte, por exemplo, mas se olharmos para o futuro, para novos modelos de negócios, para as mudanças climáticas, para os veículos elétricos e autônomos, fica bem difícil fazer uma previsão sobre qual seria a melhor decisão a ser tomada agora”, comenta Nielse Fergunson, do Observatório da Cidade - um novo sistema de informação que recolhe, gere e interpreta dados relacionados ao ambiente urbano.
De acordo com os pesquisadores do Observatório, ao aceitar essa incerteza profunda como fato, fica claro que será preciso uma infraestrutura flexível, dinâmica e adaptativa que possa responder a essas incertezas sobre o futuro. “Nós estamos desenvolvendo ideias, ainda conceituais, sobre como criar uma nova forma de fazer planejamento de cenários que incluam novos processos de decisão para acomodar o dinamismo do mundo”, profetiza Nielsen. Para tomar decisões em um mundo dinâmico, os pesquisadores do Observatório das Cidades acreditam que será preciso compreender e mapear o que as pessoas estão fazendo e modelar a infraestrutura com base nessas informações. Aproveitar o conhecimento gerado, testar esses modelos conceituais, e integrar ainda mais os dados são os próximos planos de Glasgow na busca para manter o posto de cidade mais inteligente do planeta.
Acompanhe as notícias de como o Reino Unido pode ensinar ao Brasil sobre cidades inteligentes ao longo desta semana, em nossos canais.
A missão técnica ao Reino Unido faz parte do projeto Cidades + inteligentes no Brasil, realizada em parceria entre WRI Brasil Cidades Sustentáveis e Future Cities Catapult e conta com o apoio da Embaixada Britânica. Celio Bouzada, da BHTrans; Eleoterio Codato, do Ministério das Cidades, João Domingos Azevedo, do Instituto Pelópidas Silveira (Recife), Matheus Ortega, gerente de infraestrutura do Prosperity Fund da Embaixada Britânica; Guilherme Johnson e Lavínia Cox, da Future Cities Catapult participam da missão técnica ao reino Unido que visitará as cidades de Glasgow, Milton Keynes e Londres.
Foto Emergency room.