Coalizão Mobilidade Urbana na Perspectiva das Mulheres projeta duas propostas para São Paulo
Há um ano, um encontro de mulheres engajadas na temática da mobilidade urbana de São Paulo proporcionou a oportunidade de debater desafios e propor melhorias urbanas sob a perspectiva de gênero. Da união das cerca de 100 pessoas presentes, majoritariamente mulheres, concluiu-se que espaços de discussão como aquele precisavam ser multiplicados e dar origem a grandes ideias e propostas à capital paulista. Hoje, essas mulheres estão unidas na Coalizão Mobilidade Urbana na Perspectiva das Mulheres e já elaboraram duas propostas para melhorar o transporte coletivo de São Paulo.
Se você é mulher, com certeza já adotou hábitos que podemos chamar de “estratégicos” para se deslocar diariamente. Seja esse percurso realizado por meio de transporte coletivo, ativo ou particular, toda a forma de mobilidade exige das mulheres uma certa reflexão sobre infinitas possibilidades. Qual roupa vestir, a que horas ir ou voltar, qual trajeto fazer e por que, quais são os melhores lugares para sentar no ônibus, qual calçada escolher.
Ainda há pouco debate ou propostas públicas que atendam e analisem em profundidade temas específicos de gênero na mobilidade urbana. Reflexo, possivelmente, da falta de mulheres nas gestões municipais. No entanto, as mulheres são maioria entre quem usa o transporte coletivo no Brasil e precisam ter voz ativa na construção de uma mobilidade urbana e de cidades mais equânimes.
“Em geral, mulheres tendem a fazer mais viagens dentro da cidade e para uma maior gama de atividades (trabalho, compras, acompanhar dependentes à escola ou unidade de saúde, etc.) em comparação com os homens. Essas viagens são feitas também com maior frequência através do transporte coletivo: em São Paulo, 75% das mulheres são usuárias contra 63% dos homens. Dados esses perfis de deslocamento e somada a maior vulnerabilidade com relação à segurança e assédio, uma boa infraestrutura da cidade e dos sistemas de transporte é muito mais necessitada pelo gênero feminino”, explica Daniela Cassel, analista de Governança Urbana do WRI Brasil.
“Apesar das mulheres representarem a maior parcela na mobilidade urbana (mais viagens e maior uso do transporte público), as infraestruturas não são oferecidas de forma satisfatória pela maioria das cidades. A Coalizão busca trazer luz principalmente para essas questões. Tornar a mobilidade mais inclusiva através do olhar da mulher, resultará em benefício para todos, não apenas para as mulheres”, destaca Daniely Votto, gerente de Governança Urbana do WRI Brasil.
A Coalizão Mobilidade Urbana na Perspectiva das Mulheres foi concebida pelo WRI Brasil e se estabeleceu com o apoio de diversos coletivos da cidade de São Paulo ligados à temática: SampaPé, Bike Anjo, Pé de Igualdade, Corrida Amiga, Cidade Ativa, Ciclocidade e Transparência Hacker, além da Práxis Socioambiental, consultoria que mediou os encontros do grupo e auxiliou na produção dos projetos finais.
Com o objetivo principal de aumentar a consciência sobre a necessidade de integração do transporte público de qualidade ao debate sobre transporte sustentável na cidade de São Paulo, o grupo esteve reunido em cinco momentos de debate e mais três encontros para a realização de uma Auditoria de Segurança de Gênero e Caminhabilidade.
Os encontros foram momentos nos quais as participantes tiveram espaços de fala, puderam trocar experiências, conhecimentos e ainda desenvolver metodologias e ferramentas colaborativas como mapa de empatia, green map, pro action café e teoria da mudança.
Conceição Souza, 65 anos, participou de alguns encontros da Coalizão representando o Portal Envelhecimento, de São Paulo, cujo objetivo é implantar a cultura do "longeviver" ativo. "O grupo é de jovens empreendedoras que têm em mente um projeto de vida cidadã com vistas a melhorar a vida em sociedade. Existe no grupo mais de um segmento representando seus interesses. Projetos que incluem jovens e velhos são fundamentais. Me sinto muito bem ao participar", diz.
Uma das realizações mais importantes do trabalho da Coalizão foi o avanço no aprimoramento da Auditoria de Segurança de Gênero e Caminhabilidade. A metodologia foi desenvolvida pelo SampaPé, Rede MAS e Fórum Regional de Mulheres da Zona Norte para identificar os problemas de acesso de mulheres e outros grupos vulneráveis ao transporte público e ativo. A Auditoria começou a ser desenvolvida no início de 2017 com o objetivo de desenvolver uma metodologia para tratar de maneira transversal e mais completa elementos da rua para além do ambiente construído. "Focamos em sensações e percepções mais do que casos de assédio, pois o que define nossa experiência na cidade e os lugares que acessamos são nossos medos. Colocamos as mulheres que participam da metodologia como especialistas que serão capazes de entender o espaço, avaliar e propor soluções", afirma Letícia Sabino, do SampaPé.
Em paralelo aos encontros da Coalizão, a auditoria foi realizada no entorno do terminal Santana. Segundo Letícia, as conversas com a coalizão foram importantes para, antes de aplicar a auditoria, discutir, validar a metodologia e fazer questionamentos. "A oficina de encerramento da auditoria foi outro momento muito importante. Os grupos se juntaram para formular soluções e propostas ao contexto encontrado em conjunto, desde suas diferentes perspectivas, enriquecendo muito a abrangência das propostas. Também foram tratadas de forma estrutural as questões que se repetem em todas as zonas da cidade e que precisam de soluções em escalas e tipos combinados", explica Letícia.
Duas grandes propostas à cidade de São Paulo
Resultante das trocas de experiências e dados e percepções a partir das ferramentas aplicadas nos encontros, o grupo construiu duas propostas efetivas e viáveis de melhoria da mobilidade urbana sustentável de São Paulo.
“Ao longo desses encontros os coletivos se reuniram para mapear entraves e desenvolveram dois projetos que abordam pilares da desigualdade de gênero na mobilidade: a falta de dados sobre a violência no transporte público e a qualidade e oferta de conforto e segurança nos grandes terminais de ônibus”, explica Katerina Elias-Trostmann, analista de pesquisa sênior do WRI Brasil. Conheça cada um deles:
Proposta 1: Comunicação – Centralização, acesso e transparência dos dados
Tratar a falta de dados e características de violência contra a mulher na mobilidade urbana. O objetivo geral da proposta é qualificar e caracterizar esses dados. Os objetivos específicos são aumentar o acesso a informações já existentes, garantir que esses dados sejam acessíveis e gerar novos dados, inclusive via relato das próprias mulheres.
O público beneficiado não é apenas de mulheres, mas todos os cidadãos da cidade, assim como gestores públicos, pesquisadores e movimentos sociais, organizações da sociedade civil de interesse público (OSPIPs), organizações não-governamentais, associações e coletivos.
O impacto esperado é, no médio prazo, empoderar mulheres e garantir segurança para que denunciem abusos e violências, conscientizar sobre o tema e registrar leituras mais qualitativas e assertivas dos dados de abusos e violência contra a mulher. No longo prazo, espera-se criar melhor entendimento sobre a violência contra a mulher na mobilidade da cidade, o desenvolvimento de projetos para reduzir e monitorar os números de ocorrências e incentivar o planejamento participativo, levando em consideração aspectos específicos de gênero nos planos de mobilidade urbana de São Paulo.
A rede de atuação para levar a proposta adiante conta com as secretarias municipais da saúde, direitos humanos e segurança; São Paulo Transportes (SPTrans); financiadores de pesquisas para geração de novos dados; movimentos sociais, OSCIPs, associações, ONGs e coletivos que possam centralizar informações, monitorar e divulgar o trabalho e os dados e realizarem leituras assertivas sobre os dados; e aplicativos que trabalham a questão do gênero e mobilidade urbana atuantes em São Paulo.
Proposta 2: Qualidade do transporte público para as mulheres
A questão a ser tratada nessa proposta é a humanização da infraestrutura dos terminais de transporte. Novamente, o público beneficiado são todos os usuários dos terminais. Os objetivos específicos da proposta são: aumentar a equidade de gênero, contribuir para o uso do transporte público, melhorar a acessibilidade e a inclusão, promover locais agradáveis para estar e transitar, melhorar a experiência das pessoas nos terminais e ainda contribuir para quebras de paradigmas de gênero.
Entre as atividades previstas estão a ampliação do número de bicicletários nas estações, implantação de banheiro universal e estudos sobre o acesso aos terminais. A proposta sugere um projeto piloto no terminal de Parelheiros, selecionado por ter um grande potencial de turismo.
A rede de atuação da proposta também deverá contar com o apoio da SPTrans, da secretaria de assistência social, das subprefeituras, de organizações de sociedade civil atuantes na região, do Conselho Participativo Municipal (CPM), Coordenadoria de Assuntos de Diversidade Sexual (Cads), iniciativa privada, prefeitura e Companhia de Engenharia de Tráfego (CET).
"Achei que os encontros possibilitaram o desenvolvimento e o registro de conteúdo sobre a visão que lideranças mulheres têm do espaço público de mobilidade urbana e sua infraestrutura de transporte público. O projeto resultante desses encontros certamente possibilitará a humanização da realidade urbana das cidades brasileiras porque parte da visão feminina de cidade", exalta Meli Malatesta, que faz parte da organização Pé de Igualdade, da Associação Nacional do Transporte Público (ANTP) e do Conselho Municipal do Idoso.
"Espero que o projeto se amplie, retome, continue com a finalidade de aprofundar o seu objetivo principal. Temos que chegar ao poder público, fazer parcerias com grupos similares, continuar perguntando e ouvindo as dificuldades que cada mulher enfrenta", salienta Conceição.
“A coalizou possibilitou a troca de experiências e conhecimento entre mulheres especialistas nos assuntos de mobilidade e gênero, capacitação das participantes em ferramentas de desenvolvimento de projetos, bem como o engajamento das mulheres nessas pautas políticas. Os projetos criados ainda passarão por refinamento e detalhamento antes de serem encaminhados para a prefeitura”, conclui Daniely.
Fotos: Práxis Socioambiental
Contato

