Cidades mais inclusivas e democráticas exigem planejamento e participação
Haroldo Machado, Assessor Sênior do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud); Mahamudo Amurane, Prefeito de Nampula, Moçambique; Vladimir Azevedo, Prefeito de Divinópolis (MG); Márcio Lacerda, Presidente da FNP e Prefeito de Belo Horizonte (MG); e Luis Antonio Lindau, Diretor do WRI Brasil Cidades Sustentáveis. (Foto: Bruno Felin/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
A Frente Nacional de Prefeitos (FNP) aproveitou o momento de discussão sobre o futuro das cidades durante a Habitat III, em Quito, no Equador, para lançar as pautas e o planejamento para o IV Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável (EMDS), que será realizado entre 24 e 28 de abril de 2017. O painel atraiu o interesse da países como Moçambique e México, que devem enviar representantes ao Estádio Mané Garrincha, em Brasília, para o evento que tem como tema “Reinventar o financiamento e a governança das cidades”. Também serão realizadas discussões sobre os seguintes eixos temáticos:
- serviços e políticas públicas como direitos da cidadania;
- cidades inteligentes, inovadoras, democráticas e transparentes;
- direito à cidade;
- repactuação federativa, consorciamento e desenvolvimento regional;
- qualidade e eficiência na gestão pública;
- agenda urbana global e mudanças climáticas;
- incentivo à economia local, empreendedorismo, emprego, trabalho e renda.
O WRI Brasil Cidades Sustentáveis é parceiro da FNP na curadoria do evento e tem trabalhado junto à Frente para alavancar a sustentabilidade nas cidades brasileiras. “O Brasil é um laboratório importante para a sustentabilidade. Acredito que será um momento muito oportuno para esse evento, particularmente porque todos os prefeitos estarão começando as suas administrações” afirmou Luis Antonio Lindau, Diretor do WRI Brasil Cidades Sustentáveis.
Conversamos com o Presidente da FNP e Prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda, sobre os debates levantados pela Habitat III e quais os desafios do Brasil para implementar a Nova Agenda Urbana.
Estamos discutindo temas importantes para o desenvolvimento urbano e os desafios são grandes. Como levar a pauta da Nova Agenda Urbana para os prefeitos brasileiros?
Na medida em que o governo brasileiro assume compromissos com a ONU, deverá incluir nas políticas nacionais os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e as metas da Nova Agenda Urbana. Naturalmente, como financiamentos internacionais passarão a estar vinculados a esse planejamento centrado nos ODS, os municípios terão que se planejar nessa linha. O que podemos fazer como organização de prefeitos, assim como ONGs, é levar esse conhecimento adiante. O objetivo do IV EMDS é também pautar a discussão do desenvolvimento sustentável alinhado com os ODS e a Nova Agenda Urbana. É a contribuição mais concreta que nós podemos dar. Sabemos que o dia a dia dos prefeitos é muito intenso, com muitas urgências e emergências, e poucos conseguem se dedicar ao planejamento de longo prazo. Essa cultura de planejamento é muito recente nas cidades, que ainda trabalham em um planejamento muito setorial, e agora começam a pensar em um enfoque multidisciplinar, multissetorial.
Há um consenso de que o Brasil tem mecanismos de qualidade, como o Estatuto das Cidades e o Estatuto das Metrópoles, planos nacionais de saneamento, mobilidade etc. Na teoria, os textos são bons, mas o que é preciso acontecer para colocar esses mecanismos em prática em ações alinhadas ao acordo definido aqui na Habitat III?
Esse é um problema político, no que se refere à necessidade de as comunidades entenderem política como a discussão das prioridades, das limitações e das contribuições de cada um. O que falta, tanto em nível nacional como estadual e municipal, é que as elites, não só econômicas, mas também sociais e intelectuais, entrem em um consenso mínimo, entendam o conflito como algo natural na democracia. E, principalmente, que conflito não é confronto. É possível encontrar bases comuns até entre extrema direita e extrema esquerda. Algum dia isso vai acontecer. Mas eu percebo essa dificuldade inclusive em Belo Horizonte, a dificuldade de formar consensos que transcendam o confronto puramente centrado em carreiras pessoais.
Marcio Lacerda (Foto: Bruno Felin/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Um dos pontos centrais discutidos aqui é o financiamento. O que é preciso para que as cidades brasileiras acessem essas oportunidades?
É preciso que cada cidade compreenda sua realidade financeira e tenha planos de modernização das finanças. Muitas cidades não cobram devidamente os impostos. Até se comprometem em eleições a não cobrar IPTU, por exemplo. A eficiência é baixa tanto na cobrança de impostos quanto no uso dos recursos. Quando isso acontece, a situação financeira das prefeituras não é boa. Então, como receber financiamento sem garantia de pagamento? Primeiro, financiamento não é doação. E sem organização essa cooperação não existe. Há um problema de gerenciamento das cidades que é grave. E isso é fruto da má política no pior sentido. Você tem, por exemplo, uma oportunidade de financiamento para as cidades médias por meio das Parcerias Público-Privadas (PPP), um tipo de financiamento privado pago em 15, 20 anos. Porém, sem uma estrutura de contratação e gerenciamento das PPPs, elas não vão brotar do chão. Se as cidades não têm condições de se organizarem sozinhas, é preciso que órgãos oficiais ou ONGs nos ajudem a fazer isso. É um tema central hoje: como facilitar o planejamento, a realização e o controle de PPPs em cidades de porte médio.
E tem a questão da transparência, que também é uma exigência dos mecanismos de financiamentos internacionais.
Esse é problema de liderança – se o prefeito não for um exemplo de transparência, não há cooperação possível. Choro por choro, as agências já estão acostumadas a assistir e não vão se comover com isso.
No evento de hoje falou-se em focar a aplicação da Nova Agenda Urbana em regiões metropolitanas e cidades médias. Por quê?
Temos no Brasil um problema sério de regiões metropolitanas, pois não há governança confiável, seja por problemas políticos ou institucionalização equivocada. As metrópoles ficaram no limbo institucional e financeiro. Não basta dizer que falta governança se não há orçamento específico dentro disso e nem um ambiente de confiança para atuar em longo prazo. Então, como implementar uma agenda urbana se não há governança metropolitana? Vai depender de cada cidade fazer o seu trabalho, mas se uma anda melhor que a outra, a que anda melhor acaba atraindo problemas para si. As cidades médias precisam, de fato, de mais planejamento e capacidade operacional de alavancar financiamento.
Outro ponto chave aqui em Quito é tornar as cidades mais inclusivas e democráticas. Quais os desafios do Brasil nesse sentido?
A inclusão também se atinge em longo prazo. E a melhor forma de construir uma cidade inclusiva é investir em educação para as crianças, independentemente de onde elas vivem e das condições de renda de seus país. Esse é o primeiro passo, pois assim teremos cidadãos melhores que poderão, de uma forma ou de outra, ter uma situação melhor no futuro, aptos a ajudar suas famílias por meio da renda, do conhecimento e da participação. Quando se fala em inclusão, onde queremos incluir as pessoas? No transporte de qualidade, no saneamento de qualidade, no lazer, no esporte, na fruição da cultura, na saúde. Agora, a questão da habitação, do ponto de vista ambiental e da qualidade da moradia, é muito grave no Brasil. A urbanização se deu muito às custas da ocupação desordenada. Temos loteamentos feitos irresponsavelmente por prefeitos, que doaram lotes sem nenhuma infraestrutura, loteamentos clandestinos, criminosos e ocupações motivadas por organizações políticas de esquerda, que continuam acontecendo até hoje, inclusive invadindo Áreas de Proteção Ambiental e destinadas à habitação popular. Em Belo Horizonte, sobre a qual posso falar, há 400 mil pessoas vivendo em aglomerados. Há 10 anos trabalhamos na urbanização dessas áreas e temos conseguido excelentes resultados. Mas o processo é lento, porque é preciso discutir um plano de urbanização com a sociedade, com a participação das pessoas. Simplesmente inventar algo e impor à população não funciona, as pessoas não aceitam. É preciso trabalhar em um projeto executivo, contratar e obter financiamento. Dá certo, e não é necessário mover as pessoas para longe da cidade. É preciso urbanizar, abrir ruas, construir a infraestrutura necessária, prover saneamento, saúde e transporte. É preciso ter metas claras, e todas as secretarias devem estar envolvidas. A questão é planejamento, coesão interna e participação, pois é preciso fazer de forma democrática, mas é preciso liderança política.