Capacitação para aumentar segurança e microacessibilidade em sistemas de ônibus de São Paulo
A maior metrópole da América Latina assumiu um compromisso urgente: diminuir substancialmente o número de mortes em acidentes de trânsito. Hoje, a cidade registra 10,4 fatalidades por 100 mil habitantes, número muito acima de outras metrópoles globais, como Nova York (3,5) e Tóquio (1,7). Para isso, São Paulo está investindo em ações efetivas, qualificação da infraestrutura viária e do transporte coletivo, com apoio do WRI Brasil Cidades Sustentáveis e da Iniciativa Bloomberg para Segurança Global no Trânsito. Como mais uma etapa do trabalho conjunto, nesta quinta-feira (3), a prefeitura recebeu o primeiro dia de Workshop de Segurança e Microacessibilidade – Faixas e corredores de ônibus, na nova sede do Mobilab.
Participaram 30 técnicos de diferentes secretarias, como CET, SPTrans, SPUrbanismo, SPObras, SMS-Covisa e Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano. As atividades foram conduzidas pela equipe do WRI Cidades e por Hannah Machado, consultora representante da Iniciativa Bloomberg.
Marta Obelheiro, Daniela Swiatek e Hannah Machado durante abertura do encontro. (Foto: Mariana Gil / WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
O local do workshop, o Mobilab - Laboratório de Mobilidade Urbana e Protocolos Abertos, é uma iniciativa da Secretaria de Transportes para fomentar soluções inovadoras de baixo custo para os desafios de transporte da cidade com participação da sociedade. Os dados da prefeitura servem de subsídio aos desenvolvedores que criam aplicativos e outras soluções de tecnologia. “Temos uma frota de 15 mil ônibus que a cada 45 segundos mandam dados para uma matriz, além dos cartões dos usuários. Essa massa de dados não era aproveitada antes do Mobilab existir”, destacou Daniela Swiatek, Assessora Técnica da Presidência da SPTrans, durante a abertura do encontro.
A especialista explicou que hoje São Paulo busca soluções de tecnologia rápidas, baratas e customizadas à cidade. Para isso, são promovidos Hackathons onde liberam dados para os desenvolvedores locais criarem soluções ‘fora da caixa’. “Ficamos impressionados com o que os hackers conseguiram fazer em uma noite”, disse. Em três meses, foram criados 60 aplicativos, que ajudam o usuário com informações atualizadas em tempo real sobre o trânsito e transporte. “Hoje marcamos uma grande parceria com o WRI Brasil Cidades Sustentáveis e a Iniciativa Bloomberg. Nossos dados podem ser utilizados para soluções de segurança viária e nós vamos em busca disso”, ressaltou Swiatek.
Aumentando a segurança com sistemas qualificados de ônibus
A Iniciativa Bloomberg para Segurança Global no Trânsito, da qual São Paulo faz parte, tem o objetivo de reduzir drasticamente o número de mortes em 10 cidades do mundo em 5 anos. A Coordenadora de Projetos de Saúde e Segurança Viária do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, Marta Obelheiro, lembrou os três eixos principais do trabalho em busca desse objetivo: fiscalização e campanhas de marketing; tonar as ruas mais seguras para todos os usuários; e expandir os sistemas de transporte sustentável. “Nossa prioridade é salvar vidas por meio de mobilidade urbana e vias mais seguras, acessíveis, agradáveis e sustentáveis”, pontuou Marta.
Trinta técnicos de diferentes secretarias participaram do primeiro dia de trabalho. (Foto: Mariana Gil / WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Isso porque sistemas de transporte de qualidade e mudanças na infraestrutura viária, comprovadamente, salvam muitas vidas – é o que indica o estudo “Segurança Viária em Sistemas Prioritários para Ônibus”, desenvolvido pelo WRI e apresentado essa manhã por Luis Antonio Lindau, diretor do WRI Brasil Cidades Sustentáveis. O especialista pontuou os principais riscos em sistemas de ônibus, como o choque entre os veículos e ciclistas no corredor, carros que cruzam o sinal vermelho ou invadem a faixa dedicada ao transporte coletivo, pedestres que atravessam fora da faixa de segurança, e conversão à esquerda sobre a faixa de ônibus. À medida que os problemas se repetem, é possível mapeá-los e solucioná-los. O estudo mostrou que as cidades que cederam uma faixa do automóvel para o BRT salvaram vidas. “Se tirarmos a quantidade de carros nas ruas, automaticamente, teremos menos poluição, menos acidentes e menos mortes”, destacou Lindau. Ahmedabad, na Índia, reduziu em 55% o número de vítimas fatais no corredor após a implementação de seu sistema BRT. Em Bogotá, houve redução de 48% das mortes no traçado do BRT. “A implantação de sistemas de prioridade para ônibus, além de melhorar a oferta de transporte coletivo, é uma oportunidade para qualificar o ambiente urbano e salvar vidas”, destacou.
Lindau destacou qualificação do sistema para salvar vidas. (Foto: Mariana Gil / WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Lindau também chamou atenção ao perigo de faixas de transporte coletivo no contrafluxo, que, comprovadamente, resultam em 146% mais atropelamentos e 83% mais acidentes fatais e com feridos. Outro fator determinante é a velocidade dos veículos, uma vez que uma redução de 5% na velocidade média pode resultar em 30% menos acidentes fatais. São Paulo, recentemente, tomou a medida de reduzir os limites de velocidade nas marginais e outras vias do centro. “É uma pena que as pessoas ainda associem redução de velocidade com multa, quando na verdade deveriam associa-la à vida - de seu filho e a sua própria”, declarou.
A experiência e o futuro para São Paulo salvar vidas no trânsito
Foi justamente a alta velocidade dos ônibus trafegando em corredor exclusivo que levou a Prefeitura de São Paulo a rever seus primeiros projetos, devido ao elevado número de acidentes. “À época, tivemos uma péssima surpresa: um aumento nos acidentes em 300%”, lembrou Alexandra Morgilli, da Gerência de Segurança no Trânsito/CET-SP. A velocidade foi, então, reduzida de 70 para 50 km/h e houve forte investimento em ações para informar os usuários sobre o sistema segregado. A especialista apontou outros aprendizados, como a boa visibilidade do semáforo para pedestres, levar em conta as linhas de desejo das pessoas e a implantação de infraestrutura que de fato impeça o pedestre de atravessar em zonas de alto risco, com gradis combinados com vegetação.
Alexandra Morgilli. (Foto: Mariana Gil / WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
A partir das experiências passadas, hoje a cidade vive outro momento, focado nas pessoas. Um dos projetos de destaque é o de revitalização do corredor e avenida Santo Amaro, no trecho entre as avenidas Juscelino Kubitschek e Bandeirantes, realizado em parceria com múltiplas secretarias. Luis Eduardo Brettas, da SP Urbanismo; Pedro di Mase, SPTrans; Roberto Moura, SPObras explicaram o conceito aos presentes. “O objetivo principal é devolver a avenida Santo Amaro para as pessoas circularem. Hoje não há espaço para isso”, declarou Brettas. É um dos principais eixos de ligação do Centro para a região Sul, com corredor exclusivo ao ônibus implantado em 1987. Porém, hoje está com o pavimento degradado, as calçadas são estreitas, faltam ciclovia e espaços verdes de convívio.
A proposta é que a largura da avenida passe de 22,5 m para 37 m – com mais espaço para as pessoas e canteiro central. Estão previstas também novas áreas de convivência com bancos, bicicletários, espaços para aproveitar a cidade. “Tudo está integrado aos preceitos do novo Plano Diretor Estratégico da cidade”, explicou Moura. A proposta de requalificação envolve também ganhos econômicos, uma vez que permite maior circulação de pessoas na região, fomentando comércios, negócios e serviços.
O grande diferencial do projeto foi a sinergia entre os diferentes órgãos do governo municipal, destacaram os especialistas. “Agora temos o compromisso de tornar isso realidade”, afirmou Moura. “É uma excelente proposta do WRI Brasil, Prefeitura e Bloomberg de fazer um trabalho conjunto que inicia. Vamos incorporar as informações aos projetos e, além disso, minimizar a distância entre as secretarias”, finalizou.
Replicar para somar
A mistura entre as diferentes visões, especialidades e experiências das secretarias provou ser a maneira mais efetiva para criar projetos sustentáveis e que sirvam a maior parte da população. Em busca dessa sinergia, a gerente de Governança Urbana no WRI Brasil Cidades Sustentáveis, Daniely Votto, instigou os participantes a pontuarem os aspectos positivos, os desafios e o que é possível replicar em outras ocasiões a partir da experiência de Santo Amaro.
Desafios e aprendizados do Santo Amaro foram temas de debate na dinâmica dessa manhã. (Foto: Mariana Gil / WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Foram destacadas ações como a transversalidade clara entre os departamentos; investimento em arborização e áreas verdes; definição precisa de planos de financiamento e de trabalho; revisão dos planos regionais das subprefeituras e alinhamento com o Plano Diretor Estratégico.
Na sexta-feira (4), o workshop conta com apresentação do português Mario J. Alves, consultor da Walk21, com foco na microacessibilidade e segurança dos pedestres nos sistemas de transporte por ônibus.