Como preparar as cidades para situações de risco
As cidades estão vivendo, a cada ano de forma mais intensa, as consequências das mudanças climáticas. Enchentes, períodos de seca, deslizamentos, entre outras situações que colocam habitantes e patrimônios em risco. Mais do que nunca, os centros urbanos precisam ampliar o poder de adaptação e resiliência, ou seja, a capacidade de lidar com estes momentos extremos e seus impactos. O segundo painel desta quarta-feira (3), no Seminário Mobilidade Urbana Sustentável – Práticas e Tendências em São Paulo, trouxe a importância do tema e exemplos de cidades resilientes.
Com moderação de Laura Valente, consultora Sênior do WRI Brasil, o painel teve apresentações de Katerina Elias-Trotsmann, pesquisadora do WRI Brasil; Carlos Eduardo Barbi, coordenador Municipal de Defesa Civil da Prefeitura de São Caetano do Sul; e Cel. Alexandre Lucas Alves, coordenador Municipal de Defesa Civil da Prefeitura de Belo Horizonte. “A escolha de debater este assunto em um evento de mobilidade é brilhante. É olhar para um futuro iminente de nossas cidades”, iniciou Laura Valente ao receber os painelistas.
Vulnerabilidade, resiliência e adaptação global
Diversos estudos mostram que no último século tivemos um aumento considerável na temperatura global, o que gera situações de risco. “E 81% das fatalidades em desastres naturais ocorrem em países de rendas baixas e médias baixas”, complementa Katerina Elias-Trotsmann, chamando atenção para a falta de investimentos destas cidades em infraestrutura resistente ao clima e de planos de adaptação.
De acordo com a especialista, dois dos principais estados do Brasil, São Paulo e Rio de Janeiro, ainda precisam desenvolver ferramentas para lidar com os choques. O período de seca intensa, que afetou 15 milhões de pessoas em SP, e as mortes anuais em deslizamentos nas regiões serranas do RJ são alertas claros. Isso mostra que são regiões de alta vulnerabilidade, uma vez que estão expostas, são mais sensíveis aos choques e há baixa capacidade de adaptação ou flexibilização. Já os locais que conseguem se reestabelecer ou se recuperar mais rapidamente depois de um desastre são os mais resilientes.

Katerina, do WRI Brasil. (Foto: Mariana Gil/EMBARQ Brasil)
“O Brasil ainda não possui um Plano Nacional de Adaptação, mas está em processo de desenvolvimento. Existem vários grupos de trabalho e serão desenvolvidos também planos setoriais - um deles com foco em cidades e transportes”, declarou Katerina lembrando que as informações e a participação são acessíveis a todos na página do Governo Federal.
De acordo com a especialista, cidades com boa Adaptação apresentam as seguintes características:
• Aprendizagem constante
• Contenção dos impactos
• Recuperação rápida
• Flexibilidade
• Capacidade de reserva
As cidades resilientes apostam em ferramentas de gerenciamento de desastres, como por exemplo o COR – Centro de Operações do Rio que possui equipes multidisciplinares e monitoramento 24 horas. Katerina também citou o exemplo de Rotterdã, na Holanda, que quer “fazer da cidade uma esponja”, com armazenamento da água da chuva no subsolo das praças públicas, reflorestamento e expansão de pavimentos permeáveis.
Nova York foi outra cidade resiliente apontada pela especialista. O então prefeito Michael Bloomberg desenvolveu o “PlaNYC”, com a análise dos desastres e o desenvolvimento de estratégias para restauração da cidade. Algumas medidas do documento voltadas à mobilidade apontam para proteção ao sistema de mobilidade, flexibilização dos mesmos, com opções alternativas, e extensão dos sistemas atuais.
“Precisamos investir no bem-estar das pessoas, cada vez mais. A cidade pode ser um lugar que poderemos chamar de ‘pequeno paraísos’”, finalizou Katerina.
Proteção e Defesa Civil em São Caetano do Sul
No Brasil, o tema ainda é novidade, mas algumas cidades já tem se destacado, como o caso de São Caetano do Sul. Carlos Eduardo Barbi, coordenador Municipal de Defesa Civil da cidade apresentou as iniciativas de sucesso que estão salvando vidas e economizando gastos públicos.
SJC é totalmente urbanizada e cortada por duas grande bacias hidrográficas. Quando as chuvas intensas chegam, a cidade sofre com as enchentes, que podem resultar em mortes, grandes prejuízos com desabamentos e vazamentos de produtos perigosos. Com esse histórico, a Prefeitura priorizou a criação de uma coordenadoria, um conselho e um fundo municipal de Proteção e Defesa Civil.

Barbi de São José dos Campos. (Foto: Mariana Gil/EMBARQ Brasil)
Esta equipe iniciou um mapeamento do histórico dos desastres, reelaboração do Plano Diretor de Drenagem da cidade, obras continuas para preparar o ambiente viário contra as enchentes. “Também realizamos o alteamento de pontes e vias para evitar que a água tomasse conta de pontos estratégicos na cidade”, explicou Barbi.
De acordo com o especialista, as ações diminuíram o impacto das inundações, mas não foram suficientes. Assim, foram realizados encontros de capacitação junto a comunidades de maior risco para orientar a população em momentos de enchentes.
Atualmente, a cidade também conta com planos para outros acidentes extremos, como explosão em hospitais ou incêndio em escolas, etc.
Belo Horizonte: no caminho da resiliência
O grande exemplo brasileiro em resiliência, contudo, vem de Minas Gerais. A capital Belo Horizonte conquistou, em 2013, o Sasakawa Award, da ONU, considerado o maior prêmio para cidades resilientes do mundo. Alexandre Lucas Alves, coordenador Municipal de Defesa Civil de BH, apresentou os desafios e os resultados com as medidas instituídas até aqui.
O principal desafio está na própria tipologia da cidade, com muitos altos e baixos, e 700 km de córregos, o que favorece casos de enchentes e deslizamentos. Para reduzir as chances de risco, foram fixados avisos em pontos críticos de inundações nas cidades, além de redes de alerta via SMS com informativos da Defesa Civil. Dessa forma, as pessoas evitam as áreas de risco quando as chuvas fortes chegam.

Alves, de Belo Horizonte. (Foto: Mariana Gil/EMBARQ Brasil)
Os sistemas de transporte também devem estar preparados. “Quem trabalha com mobilidade urbana, em qualquer instância, faz parte de um sistema de Defesa Civil que tem por objetivo conceitual de evitar e reduzir riscos ou desastres de forma coordenada”, explicou Alves. O especialista mostrou que a principal receita de sucesso em BH foi a criação do Grupo Executivo de Áreas de Risco (GEAR). A cada segunda-feira, às 9h, todos os secretários e gestores públicos se reúnem em um único ambiente para socializar os eventos ocorridos na semana, os recursos e planejar as ações de mitigação. “É uma ação simples, não exige nenhum custo extra e de uma eficiência incrível”, comemorou.
Outra ação de sucesso que tornou BH mais resiliente foi o estabelecimento de casas de abrigo preventivo dentro de comunidades. Assim, as famílias que forem constadas em áreas de risco são direcionadas a estes locais onde há recursos de necessidades básicas e orientação profissional à população.
Os resultados de tanto trabalho conjunto são animadores. Desde 2003 não há mortes por deslizamentos na cidade e, por inundações, há uma média de apenas uma morte ao ano.