Rumo a Habitat III: encontro debate temas-chave para a conferência internacional
Em outubro deste ano, Quito, no Equador, recebe a Habitat III – Conferência das Nações Unidas para a Habitação e o Desenvolvimento Urbano Sustentável. Realizado a cada vinte anos, o evento tem o objetivo de assegurar e renovar o comprometimento dos governos com o desenvolvimento sustentável estabelecendo metas e ações, de forma semelhante à Conferência do Clima. Até lá, ainda restam pouco mais de sete meses, e os países preparam-se para o debate.
Com essa finalidade, o Ministério das Cidades realiza em São Paulo o “Encontro rumo à conferência Habitat III”. Entre hoje (29) e amanhã (1º de março), especialistas nacionais e internacionais debatem, junto a representantes de governos e da sociedade civil, temas relacionados ao desenvolvimento urbano sustentável no Brasil – mobilidade, saneamento, participação popular, financiamento, governança e planejamento urbano, gestão de riscos, entre tantos outros.
Nesta manhã, as discussões começaram com a mesa “Mobilidade ativa”, que debateu a posição do Brasil frente às proposições da agenda pós 2015 e dos objetivos do desenvolvimento sustentável estabelecidos pela ONU. “Esse debate chega em um bom momento: de discutir como a mobilidade ativa pode ser inserida nos objetivos do desenvolvimento sustentável e o que o Brasil precisa fazer para de fato qualificar e priorizar essa opção nas cidades”, iniciou Paula Santos Rocha, Coordenadora de Mobilidade Urbana e Acessibilidade do WRI Brasil Cidades Sustentáveis e moderadora da sessão. Também participaram da discussão Ana Nassar, Diretora de Programas do ITDP Brasil; Meli Malatesta, Presidente da Comissão Técnica Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP e Professora da USP; Holger Dalkmann, Diretor de Estratégia e Política Global do WRI Ross Center for Sustainable Cities; e Yuriê Baptista César, Diretor Financeiro da UCB (União de Ciclistas do Brasil).
Paula Santos Rocha: cidades precisam qualificar os modos ativos (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Se caminhar custa a uma pessoa um dólar, a sociedade paga um centavo. Em contrapartida, se dirigir custa a você um dólar, a sociedade paga nove dólares”. O dado trazido por Meli Malatesta confirma os benefícios econômicos da mobilidade ativa para os centros urbanos. A priorização das bicicletas como meio de transporte, com os investimentos necessários, pode gerar uma economia significativa para as cidades, além de tocar em outra questão-chave para a qualidade de vida: a segurança. “Sabemos que a escolha do modo pelo qual nos locomovemos é muitas vezes uma questão de segurança pessoal: mais pessoas na rua tornam a rua mais segura para todos”, completou a pesquisadora.
Nos últimos anos, foi possível perceber, especialmente nas grandes cidades, mais pessoas pedalando. A mudança é resultado de investimentos recentes no setor, mas, como explicou Yuriê, difícil de mensurar: “Hoje, no Brasil, não se sabe se o número de ciclistas aumenta ou diminui a cada ano. Se não existe um número preciso a respeito de uma informação básica como essa, o que dizer de dados mais específicos. Para estabelecer políticas concretas em prol da bicicleta, a coleta e o acesso a esses dados são fundamentais”. Tanto quanto os dados, também são fundamentais a qualificação da infraestrutura, a segurança, o estabelecimento de políticas direcionadas à mobilidade ativa e a inclusão dos modos ativos nos processos de planejamento urbano. Os tópicos foram abordados por Ana Nassar, que enfatizou o planejamento como base para qualificação dos modos ativos: “Cidades mais compactas e conectadas dependem de nossa capacidade de pensar na inclusão dos transportes ativos em cada projeto e desde o início. O design urbano precisa favorecer a circulação de pedestres e ciclistas. O desenho da cidade precisa ser feito de forma que desperte nas pessoas o desejo de deslocar a pé ou de bicicleta”.
O desenho das cidades – feito de forma a facilitar e estimular a mobilidade ativa – está diretamente ligado a outra variável-chave no que diz respeito aos modos ativos: a segurança viária. Acidentes de trânsito são a principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos e a segunda principal causa de mortes no mundo entre crianças com idade de cinco a 14 anos. Vias que incluem espaço adequado para a circulação de pedestres e ciclistas são comprovadamente mais seguras – além de estimularem hábitos mais saudáveis. “O sedentarismo é a causa de 3,2 milhões de mortes prematuras por ano no mundo. Enquanto isso, outro 1,2 milhão morre em acidentes de trânsito. Garantir a segurança, a prioridade e a qualidade nos deslocamentos para os modos ativos é um passo importante para reduzir esses números. A questão é remodelar as cidades para melhorar a acessibilidade e tornar a mobilidade inclusiva, com o devido espaço para todos os modos”, pontuou Holger Dalkmann.
Holger chamou a atenção para a segurança viária como um dos benefícios do investimento na mobilidade ativa (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
As cidades, embora ocupem apenas 2% da superfície do planeta, são responsáveis por 70% das emissões de gases do efeito estufa. A cada ano, mais carros entram em circulação, e os congestionamentos atrasam e param nossos centros urbanos. Investir na mobilidade ativa – torná-la atrativa e viável para os deslocamentos diários – não é uma forma de melhorar a cidade apenas para os que fazem essa escolha, mas para todos. “Na verdade, o que queremos e precisamos é transformar essa vontade que já existe em proposições claras para mudar a realidade”, finalizou Paula.