Entrevista: Stuart Anderson fala sobre Gestão de Demanda de Viagens

Publicado dia 30/09/2014

Stuart Anderson, especialista em gestão de demanda de viagens da consultoria SDG, esteve em São Paulo e conversou com a EMBARQ Brasil sobre o assunto. (Foto: Mariana Gil/EMBARQ Brasil)

Ele é consultor dos estúdios Disney, de grandes empresas no Vale do Silício, na Califórnia, e acaba de assinar um contrato com o Facebook para desenvolver um programa de gestão de demanda de viagens (GDV). O consultor Stuart Anderson, da Steer Davies Gleave (SDG), esteve no Brasil para a Virada da Mobilidade, em São Paulo, e conversou conosco sobre como as empresas podem ver sua produtividade crescer e reter seus talentos internos através de estratégias GDV. Como mostra o exemplo do Google, cujos funcionários têm ônibus tecnológicos e confortáveis à disposição para ir ao trabalho sem estresse. A “mordomia” integra o extenso programa GDV da organização, que viu sua produtividade crescer e foi eleita uma das melhores empresas para se trabalhar no mundo.

De fato, funcionários mais felizes e menos estressados têm relação direta com o sucesso de uma empresa. Não é à toa que dentre a lista Fortune 100 Best Companies, 90 desenvolvem estratégias GDV. Contudo, não é preciso ser um gigante dos negócios para trazer mudanças ao ambiente corporativo. Leia na íntegra nossa entrevista com Stuart e saiba mais.

O que é a gestão da demanda de viagens (GDV) e como ela é feita? Stuart Anderson:A gestão de demanda de viagens consiste no trabalho feito com os usuários dos sistemas de transportes. Comumente estamos sujeitos aos operadores dos sistemas, que por sua vez gerenciam a oferta do serviço construindo vias, metrôs e outras infraestruturas. Mas a situação recorrente nas grandes cidades, especialmente em megacidades como São Paulo, é que não se pode apenas trabalhar com a oferta. Há que lidar com a demanda para o sistema, e por isso chamamos de gestão de demanda de viagens (GDV), porque trabalhamos com as pessoas que utilizam esse sistema. Na indústria automotiva, por exemplo, a preocupação é transportar o maior número de carros a um mesmo lugar, e não pessoas. Do ponto de vista da GDV, se tivermos duas pessoas por carro podemos transportar o mesmo número de pessoas com a metade dos carros. Este é o foco. Para isso, não podemos simplesmente falar a alguém que 'isto é o que você deve fazer, por esse ou aquele motivo'. Há que oferecer opções racionais e razoáveis economicamente, de modo que as pessoas possam escolher as mais desejáveis e convenientes. As pessoas amam conveniência. Esta é a principal razão que influencia a escolha pelo meio de transporte. Esta escolha não está restrita somente à questão financeira ou de tempo. Temos que olhar para o que é conveniente a cada indivíduo.

Como as empresas podem se beneficiar ao adotar programas GDV? Estou nesse negócio há 28 anos e um dos grandes benefícios é a redução da demanda e da construção de vagas de estacionamento, o que é a grande motivação das empresas em longo prazo. Mas também vemos mudanças na produtividade dos funcionários para melhor em empresas cujos funcionários utilizam a GDV. A carona compartilhada, as vans, os ônibus fretados, o teletrabalho e o horário flexível são importantes opções para que as pessoas adaptem sua rotina em função do deslocamento. O teletrabalho, por exemplo, gera um aumento médio de 12% na produtividade do colaborador.

E em termos econômicos para as companhias, quais são as vantagens? O exemplo do Google é muito bom. De certa forma, o programa deles é muito caro porque é amplo e disponibiliza todas as opções que um programa GDV poderia ter. Internamente, no entanto, a produtividade dos colaboradores que utilizam essas opções tem aumentado dramaticamente. Uma das razões para isso é o sistema de ônibus fretado criado de uma forma interessante: além de ser conectado à internet e ter tomadas para computadores, os assentos podem ficar de frente uns aos outros. É uma estação móvel de trabalho. Então, se você for ao trabalho de carro, num trajeto de uma hora até o escritório do Google, vai chegar frustrado e estressado. Mas se você estiver num ônibus, você vai ligar seu computador e começar a utilizá-lo. A empresa percebeu que os funcionários estão abrindo e respondendo e-mails cedo, pela manhã, antes de chegar. Ao entrar no escritório, eles já lidaram com uma série de coisas, e o melhor: eles não estão estressados. Eles não têm que passar pela tarefa penosa de dirigir e estacionar antes de realmente começarem a produzir.

E quantos aos funcionários, como convencê-los a adotar meios de transporte que não sejam o automóvel individual?Através da informação. Ela é critica. As pessoas precisam saber quais são as opções de que elas dispõem. Quando se trata de incentivar pessoas, há três áreas em que devemos atuar:

- Incentivos ao teste: é importante oferecer dois ou três incentivos para que o funcionário experimente uma das opções oferecidas. Por exemplo, ao pedir que ele largue o carro durante uma semana, você precisa oferecer um prêmio para isso, como um vale-jantar num ótimo restaurante, por exemplo. Isto serve como motivação para que o funcionário tente um novo modal. Por muitas vezes as pessoas precisam apenas entrar num ônibus para saber como é. - Manutenção: uma vez que seu funcionário aderiu a uma opção GDV, é preciso mantê-lo sem o carro individual. Uma das melhores maneiras de fazer isso é através de um programa de pontos. Por exemplo, se o colaborador usar a carona, ganha 1 ponto por dia. Se for de bicicleta, ganha 3 pontos por dia. Quando tiver 100 pontos, poderá ganhar uma televisão ou uma viagem, por exemplo. Nós também descobrimos que certificados em redes sociais são muito eficientes para motivar as pessoas – mais do que dinheiro, porque se o seu perfil mostra que você pedala todos os dias, é muito mais interessante que os outros saibam. Outra forma de incentivar é por desafios. Por exemplo, determinar a quantidade de calorias gastas com a pedalada ou transporte coletivo para que as pessoas meçam seu sucesso ao utilizar as alternativas. - Subsídios: é importante que a empresa equilibre os custos entre as opções, barateando as opções compartilhadas e de transporte ativo para que sejam vantajosas economicamente aos funcionários.

Então, a criatividade e o marketing interno são fatores-chave para o sucesso do programa de gestão de demanda de viagens? Sim, porque é preciso influenciar o comportamento das pessoas. Assim como na indústria no cigarro, vemos a indústria automotiva tornando o carro cada vez mais atraente para as pessoas como símbolo de sucesso. Eles mostram que no fim do dia, para ser bem sucedido, você precisa deste carro e esta é a mentalidade. Por isso dispor de escolhas que sejam convenientes é valioso. Assim, o funcionário que vai gerir a GDV na empresa deve conversar com cada novo colaborador, mostrando-lhe as opções. Se você educar as pessoas quando começam a trabalhar elas ficam mais propensas a considerar tais opções. Existem, é claro, os materiais promocionais de GDV. Mas, no dia a dia, é o toque pessoal com cada funcionário que faz a diferença. Há que ter criatividade.

Se uma empresa quiser implantar um programa de GDV, o que ela deve fazer? Tudo começa pela gerência da organização entender quais são os seus objetivos corporativos para que as estratégias GDV possam ir ao encontro deles. Por exemplo, fui a uma empresa que pertencia à Johnson & Johnson, e eu sabia que a J&J tinha metas institucionais de redução de carbono. A meta era reduzir 13% nas emissões nos próximos três anos. Então perguntei-lhes como o objetivo seria atingido, e a resposta foi de que não faziam ideia. Respondi: “Já pensaram em gerenciar o deslocamento dos seus funcionários?”. Às vezes tudo começa com conectar a GDV com os objetivos da empresa. Esta, por sua vez, precisa entender que os investimentos não trarão resultados em uma semana, mas vão levar algum tempo. Às vezes, um programa leva três anos pra ser totalmente implantado e gerar resultados. Este é o primeiro passo.

O segundo passo é criar um comitê de pessoas-chave do seu negócio. Também é preciso fazer uma pesquisa com cada funcionário para saber o que é melhor para cada um. Alguns querem pedalar, outros querem usar caronas. Há que pesquisar os colaboradores, mas também é importante atentar para a região onde fica a empresa, pois pode não ser favorável a determinados modais e você não pode colocar seu colaborador em uma situação de risco.

Quais os grandes desafios em implementar um programa de GDV? O primeiro desafio refere-se ao custo imediato do programa. Posso dizer ao empregador: “é provável que você ganhe em redução de estacionamento”. Digamos que serão dez vagas a menos, que podem ser alugadas para outras pessoas a 200 dólares por mês e é só fazer as contas, há muito dinheiro nestas vagas. Nós explicamos isso, mas quando a empresa percebe que precisa reservar US$ 5 mil para os prêmios e benefícios aos colaboradores, acha muito. Também pedimos que a empresa delegue equipe para encabeçar o programa. Em média, precisamos da dedicação de um funcionário, durante uma hora por semana, a cada 200 colaboradores, não importa se eles aderiram ao programa ou não. Os gestores vão dizer que a equipe está sobrecarregada e não pode fazer isso. É uma questão de lógica: a empresa não quer gastar US$ 5 mil em incentivos, mas os estacionamentos custam US$ 50 mil para serem construídos. Há uma série de fatores, mas o custo imediato é o principal. É preciso analisar cada empresa separadamente para traçar todos os desafios.

Cada empresa tem uma cultura diferente. Umas são mais flexíveis em relação a horários, outras têm regimes mais tradicionais de gestão. Como implementar, dentro desta lógica, programas GDV eficientes? Muitas vezes existe um problema no que se refere aos gestores médios. Os gestores seniores geralmente olham para os problemas coletivos de forma holística e querem ser parte da solução, não do problema. Já os gestores médios muitas vezes pensam que precisam enxergar seus funcionários trabalhando das 8h às 17h30. Se eles estão em suas mesas, ótimo. Não levam em conta se estão completamente estressados quando chegam, basta que estejam lá. Isso é um grande problema. No que tange ao teletrabalho, em particular, o que eu tenho notado é que preciso orientar gestores sobre como lidar com isso. Alguns empregadores disseram que tentam educar seus gerentes médios para que não considerem apenas uma folha ponto, mas sim a produtividade dos colaboradores. Há que gerir por objetivos, e não por horários.

Existem dados que comprovem os impactos da GDV no nível empresarial e também em escala municipal? Se tomarmos como exemplo uma empresa que ofereça um programa básico de GDV, com opções de caronas e teletrabalho, é possível mudar os hábitos de deslocamento de 10% dos funcionários, o que é um bom indicativo. Um programa GDV mais agressivo poderia elevar esse índice a 25%, como temos constatado com nossa experiência. Se um programa GDV consegue levar as pessoas a uma alternativa ao carro, então temos uma mudança significativa. A redução de 25% nos custos de estacionamento representa muito dinheiro. Na escala da cidade, contudo, é mais difícil de replicar esse sucesso, porque normalmente não temos 100% de adesão. Analisando de forma coletiva, os programas TDM podem impactar cerca de 1,5% no comportamento de toda uma comunidade. Mas o que nós descobrimos é que muitas vezes precisa-se de 5% de mudança do transporte individual para meios compartilhados para mudar o congestionamento em uma via, uma mudança positiva.

Já num prazo maior, com as novas gerações, percebemos que está nascendo uma mentalidade diferente sobre como se deslocar. O desejo de ter o carro próprio está ficando mais longe, ele já não é tão importante como costumava ser. Pelo menos nos Estados Unidos, os mais jovens já estão dizendo: 'eu prefiro usar um sistema de compartilhamento de bicicletas, isto é a coisa bacana do momento'. Eu acho que essas mudanças de cultura vão gerar grandes impactos em longo prazo.

Em sua atuação global, você tem notado uma tendência em relação à preferencia pelo carro individual? Que problemas o mundo enfrenta em relação a isso? A questão que surge é que a classe média emergente dos países em desenvolvimento pode ser muito desafiadora. Porque a percepção de sucesso é muitas vezes impulsionada pelo que se vê na televisão, em filmes. Ter carro próprio é um sinal de que você é bem sucedido. E dirigindo sozinho, porque isso significa que você não precisa dividir os custos com ninguém. Em Bangcoc, onde trabalhei, o maior problema era esse. A percepção do que é sucesso. As pessoas diziam: “eu posso dirigir sozinho e pagar pelo estacionamento, então sou bem sucedido”. E não é isso o que queremos.

No Brasil a visão é similar, incluindo as novas gerações que querem possuir carro próprio como sinal de sucesso e independência. Isso por que as pessoas não têm outras opções? Muitas vezes há opções, mas elas não fazem sentido. Andar de ônibus lotado é desconfortável e passa a percepção de uma situação de risco pela superlotação. Então esta não é uma opção razoável. É preciso oferecer opções em que as pessoas se sintam confortáveis e, além disso, convenientes. Às vezes, as soluções podem ser simples. Por exemplo, o metrô em São Francisco não tinha capacidade para a demanda nos horários de pico, faltavam escadas rolantes e convencionais, e a plataforma não era grande o suficiente. Em vez de gastar milhões de dólares construindo mais infraestrutura, resolveu-se atacar a raiz do problema: todos os funcionários das regiões do metrô entravam e saíam no mesmo horário. A solução foi ir de empresa em empresa oferecendo horários flexíveis, e eles disseram que sim, porque enxergaram o benefício direto. Esta medida de GDV substituiu a necessidade de gastar 100 milhões de dólares em construções para uma nova estação.

Existe um programa GDV em específico que você considere realmente bom? Nós trabalhamos com a sede dos estúdios Disney em Los Angeles, e eles têm provavelmente o melhor programa de GDV do Sul da Califórnia. Eles dispõem de uma gama de incentivos para caronas, fretados, bicicletas, caminhada, como vagas privilegiadas, eventos promocionais. Eles são realmente criativos! Além disso, a empresa tem uma visão de responsabilidade com o meio ambiente e com a comunidade. São sete funcionários em dedicação total ao programa.

Como a Disney começou o programa? Há 25 anos, em Los Angeles, havia dias tão críticos de poluição do ar que a cidade pediu que as pessoas adotassem, de forma voluntária, as caronas para amenizar a poluição. Nestes dias, o ar era tão sujo que as crianças não podiam sair às ruas, e com a medida o ar melhorou muito. Foi então que a Disney começou a se dedicar a questão. Eles têm todas as opções, benefícios, e também têm de três a quatro voltas garantidas pra casa em casos emergenciais por funcionário ao ano.

Você diria que a gestão de demanda de viagens está atrelada à felicidade no trabalho? Com certeza. Tais medidas melhoram sua qualidade de vida, e consequentemente a felicidade no trabalho. Você retém seus talentos na empresa, que querem estar nela. Eles dizem “vou trabalhar aqui porque é bom, não quero ir para outra empresa que não oferece esses benefícios”. Acabamos de assinar contrato com o Facebook. Vamos fazer seu diagnóstico e pesquisas nos escritórios em todo o mundo. São 50 localidades diferentes aonde vamos, começando pelo Brasil na semana que vem, e a filosofia em todos estes lugares é minimizar o estresse do colaborador. A empresa provê benefícios, almoço e jantar, com opções realmente incríveis, têm lavanderias em todo o campus, todos os serviços de que você precisa. A ideia é maximizar a felicidade e a criatividade dos funcionários. Incluindo a gestão de demanda de viagens.

Você acha, então, que no futuro as empresas precisarão incluir a gestão de demanda de viagens na sua estratégia para ser bem sucedidas? Em todos os países em que presto consultoria, as pessoas estão conectadas pela internet, estão assistindo aos mesmos filmes, têm a mesma mentalidade. Nós pensamos que estamos longe, mas não estamos. No fim do dia, os mesmos problemas que temos nos Estados Unidos ou na Inglaterra estão em Bangcoc. Os funcionários de escritórios são motivados pelas mesmas coisas e querem trabalhar em um ambiente igualitário, onde seu chefe não fica espiando por cima do seu ombro.

O ambiente profissional está mudando. Sou muito otimista com relação ao futuro, e realmente creio que as novas gerações têm uma mentalidade mais saudável sobre o meio ambiente, sobre estar num carro, e sobre como eles querem passar sua vida. Se uma empresa quiser reter estes talentos, há que oferecer-lhes estas opções, caso contrário, eles não permanecerão por muito tempo. As organizações bem sucedidas, de mais tradicionais às modernas high-tech, já estão apostando nisso, o que nos faz refletir sobre a conexão entre o sucesso e o bem estar dos funcionários.

Há alguns anos, somente cinco empresas da lista Fortune 100 Best Companies desenvolviam algum programa GDV. Hoje, são quase 90 de todas dessa lista. Ou seja, as empresas que fazem GDV são bem sucedidas. E aquelas que não se adaptam às mudanças de mentalidade talvez não estejam indo tão bem assim, muitas vezes por um estilo de estão ultrapassado, baseado na folha-ponto, e os funcionários estão insatisfeitos. Muitas delas não enxergam que são seu próprio inimigo em termos de produtividade. Mas é válido lembrar que toda empresa, de qualquer porte, pode oferecer opções para seus funcionários, como um bicicletário, por exemplo, ou mesmo combinando caronas entre quem mora perto. Simples ações podem fazer a grande diferença. Definitivamente há uma conexão direta entre a qualidade de vida do funcionário e a produtividade na empresa.

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Aqui & Agora – Edição 12 – Setembro de 2014 Aqui & Agora é a newsletter mensal da EMBARQ Brasil. Cadastre-se e receba diretamente por email. Clique aqui para ler as outras edições.

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