Seminário internacional apresenta boas práticas e mecanismos de financiamento para projetos DOTS no Brasil
Os projetos de Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS), por definição, incorporam os processos de dois pilares do desenvolvimento sustentável das cidades: planejamento urbano e de transportes. Ao trabalhar com as duas frentes de forma integrada, o DOTS consolida-se como um modelo de planejamento que promove a construção de comunidades urbanas mais compactas e sustentáveis.
No entanto, a despeito dos benefícios econômicos que oferece, o DOTS ainda encontra no financiamento a principal barreira para prosperar nas cidades brasileiras. Em busca de soluções para ultrapassar esse obstáculo, o Seminário Experiências Latino-Americanas no Financiamento do DOTS reuniu hoje em São Paulo especialistas nacionais e internacionais e os principais atores envolvidos com projetos DOTS no Brasil para debater maneiras de viabilizar a implementação desses projetos nas cidades brasileiras.
Dividido em dois momentos, o encontro apresentou os elementos que compõem um projeto DOTS completo e trouxe exemplos de mecanismos de financiamento já em prática na América Latina. Na busca por debater a construção de cidades mais eficientes e sustentáveis econômica, social e ambientalmente, cerca de 75 pessoas juntaram-se à discussão, que incluiu palestras da Universidade de Toronto, do Banco Mundial, da Findeter (Financiera del Desarrollo, Colômbia), da SP Urbanismo, da Ely & Prado e da cidade de Cali (Colômbia).
Henrique Evers, Coordenador de Projetos de Desenvolvimento Urbano do WRI Brasil Cidades Sustentáveis, deu as boas-vindas a todos os participantes destacando a posição ocupada pelas cidades no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável: “Recentemente, mudamos não só o nosso nome: mudamos também o nosso escopo de trabalho. Passamos agora a trabalhar com as cidades de uma forma muito mais ampla. Parte desse trabalho envolve considerar as cidades como elementos centrais para a solução de problemas globais, como água, clima e mobilidade urbana. O DOTS é o nosso primeiro grande passo nessa nova trajetória e, com este seminário, esperamos debater soluções e estudar formas de implementá-las para tornar as cidades melhores”.
Henrique Evers abriu o Seminário Experiências Latino-Americanas no Financiamento do DOTS (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Benoit Lefevre, Diretor de Energia e Clima do WRI Ross Center for Sustainable Cities, ressaltou a importância da troca de conhecimento na busca de soluções para os problemas urbanos, comuns a tantas cidades do mundo: “Sabemos que muitas cidades hoje dividem os mesmos problemas e enfrentam os mesmos desafios – aumento da taxa de motorização, expansão sem controle e crescimento não sustentável. O DOTS é uma ferramenta para mudar a realidade das cidades e por isso vamos discuti-lo aqui hoje. Porque debatendo e compartilhando ideias podemos encontrar novos caminhos para um desenvolvimento mais sustentável”.
Benoit Lefevre (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
O evento foi organizado pelo WRI Brasil Cidades Sustentáveis com a parceria estratégica da Children’s Investment Fund Foundation (CIFF), do Instituto Clima e Sociedade (ICS), da Citi Foundation e da C40, e o apoio do Citi.
Definindo projetos DOTS completos: boas práticas na América Latina
Como modelo de planejamento que ajuda a promover o desenvolvimento econômico a partir de mudanças estruturais nas cidades, o DOTS pressupõe alguns elementos que devem ser considerados no processo de estruturação dos projetos para que estes venham a ser bem-sucedidos. No primeiro painel desta tarde, foi este o foco da discussão.
Juan Manuel Robledo trouxe ao debate experiência de uma organização nacional de economia mista. A Findeter, vinculada ao Ministério de Fazenda e Crédito Público colombiano, foi criada para financiar iniciativas de investimento que visam ao desenvolvimento urbano de comunidades na Colômbia e, assim, contribuir para o crescimento do país. Na visão de Robledo, “o ponto mais importante é a cultura. Se não mudamos a cultura, não mudamos as cidades”. É neste processo – de mudar a mentalidade da população – que o DOTS tem um papel fundamental: “Em conjunto, o que os elementos do DOTS dizem é: a prioridade é do transporte sustentável. E é isso o que queremos para as cidades. Precisamos trabalhar no sentido de fazer com que as pessoas tenham e de fato enxerguem no transporte coletivo e sustentável opções melhores”
Robledo: "Se não mudamos a cultura, não mudamos as cidades". (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Um dos princípios de um projeto DOTS versa sobre os espaços públicos. Áreas verdes e de uso coletivo de qualidade, onde pedestres e ciclistas possam circular com conforto e segurança, são fundamentais para que as cidades possam se desenvolver de forma mais humana e sustentável. Luis Fernando Gonzalez, da cidade de Cali, também da Colômbia, falou sobre o Corredor Verde, projeto de urbanização que prevê intervenções vias da cidade a fim de transformar em espaços públicos e zonas pedestrianizadas algumas faixas de circulação de veículos. “Uma das consequências da expansão desordenada, além dos maiores deslocamentos, é a falta de espaços públicos. O Corredor Verde de Cali foi concebido para suprir parte dessa necessidade, construindo um parque urbano que vai se estender pela cidade oferecendo às pessoas um espaço seja para o lazer seja para seus deslocamentos diários”, analisou o especialista. “É um projeto de transformação urbana para melhorar a qualidade de vida de todos os moradores”.
Luis Fernando Gonzalez apresentou o projeto Corredor Verde, da cidade de Cali, na Colômbia (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Ao qualificar o desenho e o crescimento urbanos, o DOTS também promove o desenvolvimento econômico. Claudio Sarmiento, Pesquisador Assistente da Universidade de Toronto, no Canadá, mostrou como os elementos de um projeto DOTS contribuem para a vitalidade econômica das cidades – em especial, o transporte coletivo: “O transporte coletivo é vital em um projeto do DOTS porque tem o potencial de criar corredores de desenvolvimento. O DOTS aproveita as estruturas já existentes para criar áreas urbanas mais eficientes econômica, social e ambientalmente”, apontou. Conforme o especialista, “colocar esses projetos em prática nas cidades significa criar as condições necessárias para comunidades urbanas compactas, sustentáveis e vibrantes”.
Claudio Sarmiento (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Renato Ely, Engenheiro Civil e Sócio da Ely & Prado, encerrou o primeiro painel do dia com um panorama da mobilidade urbana em Brasília. A baixa densidade populacional e a concentração de empregos na região central, entre outros aspectos, obrigam o deslocamento diário de milhares de pessoas e geram ineficiência econômica e de sustentabilidade. “A solução?”, questionou o engenheiro, “investir em transporte coletivo”. Para isso, a capital federal estuda a proposta de uma parceria público-privada. “O objetivo é a implantação de um novo sistema BRT, incluindo infraestrutura para novos bairros. Entre as vantagens de uma PPP, podemos citar o menor prazo de execução das obras, que ficam sob responsabilidade do setor privado. É fundamental, no entanto, que sejam realizados estudos para definir os investimentos”, acrescentou Ely.
Renato Ely (à direita) falou sobre a mobilidade em Brasília (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)
Em sequência às contribuições dos palestrantes, a conversa com o público presente levantou ainda algumas questões importantes, como a participação da sociedade e os elementos necessários para que os projetos sejam bem-sucedidos. O segundo painel da tarde, “Reflexões sobre o financiamento do DOTS: experiências latino-americanas” aprofundará os mecanismos de financiamento existentes e a viabilidade de aplicá-los no contexto brasileiro.