Para superintendente da Caixa, qualificação de projetos de engenharia iria acelerar a entrega de benefícios à população
No final de 2016, o Ministério das Cidades lançou a coleção Cadernos Técnicos para Projetos de Mobilidade Urbana, com o objetivo de apoiar as prefeituras no desenvolvimento de projetos de maior qualidade, devidamente alinhados aos princípios, objetivos e diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.
O trabalho desenvolvido com o apoio técnico do WRI Brasil e da ANPTrilhos reúne recomendações alinhadas às leis e normas vigentes no Brasil, ao estado da prática de projetos de infraestrutura de mobilidade urbana e às recomendações da literatura nacional e internacional da área.
Além do governo, também tem um papel relevante no processo de avaliação e qualificação dos projetos a Caixa Econômica Federal, que faz o papel de mandatária da União e tem um corpo técnico robusto espalhado pelo país. No início de outubro deste ano, o WRI Brasil organizou um workshop para apresentar a coleção aos arquitetos e engenheiros da Caixa e trocar experiências sobre como é feita a avaliação dos projetos na entidade.
Conversamos com Adriana Salgueiro, superintendente nacional de Transferência de Recursos Públicos da Caixa, sobre como é a atuação do banco como mandatário de projetos do governo e como a qualificação de projetos pode beneficiar as entregas à população.
Muito se fala sobre a falta de qualidade dos projetos apresentados para captar recursos do PAC e outros programas do governo federal. A Caixa tem essa mesma avaliação?
Adriana Salgueiro: Na Caixa, tanto na abrangência do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), quanto dos contratos de repasse de uma maneira geral, com recursos que advém de um percentual sobre a receita corrente líquida, registrados na Lei de Diretrizes Orçamentária, temos essa mesma percepção (de falta de qualidade dos projetos). Nos projetos que não são do PAC, que são muito mais pulverizados e obras de menor volume e complexidade, também verificamos uma deficiência na qualidade dos projetos. Isso acaba por afetar principalmente o tempo para a execução dos contratos e carrega um atraso na entrega dos benefícios para a população. Se tenho um projeto defeituoso na largada, invariavelmente na execução teremos um conjunto de solicitações, de reprogramações, porque o projeto vai precisar se readequar tanto à realidade local quando à da própria obra.
Qual o papel da Caixa como mandatária dos projetos do governo?
AS: Para contratos de repasse e termos de compromisso que abrangem o PAC, a Caixa atua como mandatária da União. Ela acompanha toda a execução das obras, os recursos que vêm do gestor, que são os ministérios, para viabilizar os programas nas pontas, nos estados e municípios. Os valores são liberados conforme esse acompanhamento da execução que a Caixa faz. Isso não se confunde com a responsabilidade de fiscalização, que é do ente tomador desse recurso. Temos também as Emendas Parlamentares, destinadas para que os parlamentares possam explicar para os gestores (os ministérios) as suas intenções. O gestor do programa faz uma seleção e depois coloca para a Caixa os projetos selecionados. Aí começa o trabalho da Caixa. Quando se trata de uma obra, é realizada a avaliação inicial do projeto de engenharia, na sequência ocorre a contratação e a validação do processo licitatório, que é responsabilidade do ente. A Caixa recebe o resultado desse processo licitatório, verifica se está de acordo com o objeto, para aí começar a fazer as liberações, a concepção desses empreendimentos. Nós atuamos até a prestação de contas final, quando a execução física chega a quase 100%.
A Caixa pode recusar algum projeto?
AS: Quem vai de fato fazer a aprovação dizendo que é possível contratar é a Caixa ao fazer a avaliação do projeto de engenharia, que se distingue do projeto básico. Os nossos pilares de análise pegam tanto o aspecto qualitativo, se ele se encaixa no programa do gestor, a titularidade da área, a adequação do local de intervenção, quais serão as funcionalidades daquele empreendimento, se existe exequibilidade técnica, se existem as outorgas, as autorizações, as licenças, se tem o engenheiro com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) que é responsável, se existe orçamento, a parte fiscal, são vários critérios qualitativos. Nos quantitativos entramos no aspecto de verificação, fazendo relação de adequação daqueles custos em relação aos preços dos componentes dentro do Sinapi, que faz a capacitação dos valores de referência dentro da construção civil para dizer se naquela localidade tal orçamento faz sentido. Também analisamos o cronograma. Essas são as peças que a gente, enquanto mandatário, chama de projeto de engenharia. Para fazer a licitação, é preciso um projeto básico. A diferença para um projeto de engenharia é que temos um conjunto de informações adicionais àquelas exigidas pela Lei 8.666, mas também pode ocorrer o inverso, em alguns casos é preciso cumprir alguns requisitos para alcançar o projeto básico que não necessariamente vão conversar com esses pilares dentro da Caixa.
Workshop foi realizado com técnicos da Caixa em Brasília (foto: Edu Andrade/WRI Brasil)
O que precisa ser feito para que menos problemas ocorram?
AS: Acredito que seja um conjunto de ações e preciso ressaltar um grande passo, com o advento da portaria interministerial 424 do Ministério do Planejamento, que já vigora desde o final do ano passado, mas carece de diversos aspectos para a sua regulamentação. Isso tem sido debatido com diversos atores. Ela vem corrigir várias ineficiências no processo. Estou falando dos recursos do Orçamento Geral da União, mais especificamente das emendas parlamentares na transferência dos recursos para os municípios quando a Caixa atua como mandatária. Esse recurso também pode chegar aos Estados e Municípios sem a atuação da Caixa, que é o que chamamos de convênio. O gestor (ministérios) pode direcionar recursos diretamente para o ente tomador e a Caixa não entra como mandatária para fazer o acompanhamento. Essa portaria 424 traz diversas responsabilizações antes não abordadas, alguns procedimentos operacionais que tornam o processo mais racional, mais célere, pressupondo reduzir tempo de vida útil de cada contrato. Isso evidencia a necessidade de termos cada vez mais projetos qualificados.
Como melhorar isso na ponta, nos municípios?
AS: Estamos trabalhando com a introdução de novos mecanismos para análise paramétrica de projetos. Outra coisa que temos discutido é disponibilizar um banco de projetos padronizados para os municípios quando se trata das intervenções mais recorrentes. A atribuição dos entes seria basicamente produzir projetos de fundação por conta da realidade local. Posso dizer que 100% dos projetos chegam na Caixa sem uma qualificação suficiente para que possamos seguir para a contratação. Então, podemos imaginar o número de interações que são realizadas, num espaço de tempo de 10 a 18 meses. O custo dessa operação é muito grande.
O conjunto de critérios que o WRI Brasil desenvolveu pode servir de base para a análise de critérios dentro da Caixa?
AS: Aquela turma (do workshop) teve esse propósito específico, de fazer um piloto, uma avaliação desse material para perceber qual a convergência com o que é feito no dia a dia. Nós acreditamos, na Caixa, que todas iniciativas que caminham na busca de padronização, que evitem o retrabalho e deem luz principalmente para quem está na ponta, para que montem projetos à luz de como serão avaliados, tudo isso é um grande ganho. Não só para quem vai fazer a avaliação, mas também para quem faz o projeto. Na minha visão os municípios precisam efetivamente ser preparados. Temos desde rotatividade, descontinuidade, falta de recursos, carências, falta de orçamento para a qualificação dos servidores, falta de gestores, enfim, uma cadeia de coisas que interferem nesse processo. Vejo com bons olhos a iniciativa do WRI.
Essa falta de padronização tem custos para todos, para a Caixa, mas também para a população. Se um projeto não sai do papel, a verba pode ser destinada a outra obra?
AS: Infelizmente, quando um projeto não sai, o recurso destinado para ele é perdido. Temos uma carência tão grande de recursos no país e nós aqui sofremos quando precisamos encerrar um contrato e entrar para o procedimento de tomada de contas especial. Fazemos com muita dor mesmo, pois sabemos que no final das contas quem perde é a população que seria beneficiada com a entrega daquela obra. Sem contar o custo que foi a manutenção de tentar deixar o contrato vivo ao longo do tempo.